03/12/2009

BD para o Natal – De Profundis

De Profundis Miguelanxo Prado ASA (Portugal, Setembro de 2008) 300 x 212, 88 p., cartonado, edição com DVD
“De Profundis” é a história de uma relação intensa e apaixonada de um pintor pelo mar, contada na forma de filme animado por Miguelanxo Prado. Conhecido (e aclamado) como autor de BD, o autor galego, aquando da sua passagem pelo Fantasporto, em 2007, definiu-o ao JN como “uma pesquisa artística para relacionar a pintura, a música e as novas tecnologias da imagem, um projecto extremamente pessoal" no qual se empenhou "durante quatro anos: os dois primeiros na pré-produção, e os dois seguintes de dedicação total e exclusiva", porque fez "todos os desenhos - em pintura a óleo - necessários para a animação". Mas desengane-se quem pensa ir assistir a uma película animada por computador, em 3D, com ritmo frenético e (algum) humor; Prado optou pela animação tradicional e um ritmo contemplativo, “para quem é capaz de estar 15 minutos a ver um pôr-do-sol no mar". O que não impede que neste filme, talvez como nunca, o desenho virtuoso de Prado brilhe, reluza, cative e atraia, realçado pela forma pausada como a acção decorre, qual mergulho extasiado no mar que o protagoniza, ao som da música original (indissociável da animação) de Nani Garcia “um amigo, músico de Jazz, com larga experiência de escrita de música para cinema e televisão", cujas composições, interpretadas pela Orquestra Sinfónica da Galiza, marcam o ritmo, acentuam a narrativa, exprimem emoções e sensações e são o único som dos 75 minutos deste filme sem diálogos, produzido pela Continental Producciones, em co-produção com a Desembarco Produccións e a Zeppelin Filmes. A história, lê-se na versão em banda desenhada (ou texto ilustrado…?), editada pela ASA, começa numa “casa no meio do mar, que tinha uma torre voltada a Poente, uma escadaria que se estendia pela água adentro e, a Levante, uma árvore que floria entre Março e Abril”. Nesta minúscula e estranha ilhota, um lugar de todo improvável, que desde logo marca o tom do filme, fantástico e maravilhoso, mais próximo do sonho do que da (nossa) realidade cinzenta, “viviam, apaixonados, uma mulher que tocava violoncelo e um pintor fascinado pelo mar e pelas suas criaturas…”. Pintor que, após um naufrágio, enceta uma viagem iniciática pelo misterioso fundo do mar, onde redescobre tudo o que já pintou - memórias que desconhecia serem-no – de desfecho fantástico.
Mais aberto no filme, que apela mais à descoberta, à capacidade de nos maravilharmos; mais directo no livro, de respostas mais concretas. Na origem desta história, simples e maravilhosa, combinação onírica de fantasia e lendas marítimas, está a paixão pelo mar (da Corunha, onde o autor vive). Prado acredita que os portugueses "que vivem com o mesmo Atlântico que me inspirou" e que têm “uma cultura marítima e uma relação próxima com o mar, terão uma sensibilidade especial para entender a história, o seu lado onírico, a mitologia de sereias e monstros marinhos, os sonhos e terrores que o mar inspira". E, se a gestação de "De Profundis" coincidiu com a catástrofe do petroleiro "Prestige", Prado nega "a ideia de denúncia”; o filme tem “uma clara vocação de redenção, uma espécie de ritual propiciatório, um pedido de perdão. Pretende recuperar o oceano na sua concepção mais limpa, mais brilhante, mais tradicional. É um conto, com muita poesia". (Versão revista e actualizada de dois textos publicados no Jornal de Notícias em 17 de Novembro de 2008 e em 28 de Julho de 2009)

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