20/05/2010

Níquel Náusea #7 – Em boca fechada não entra mosca

Fernando Gonsales (argumento e desenho)
Devir Livraria (Brasil, Novembro de 2008)
212 x 282 mm, 48 p., cor, brochado


Era uma vez um rato (quase) analfabeto, cuja leitura hesitante facilmente adormecia a sua ninhada. Não! Era uma vez um rato que servia de provador a Mickey Mouse. Não, outra vez! Era uma vez um rato com bom olfacto… o que é insuportável para quem vive num esgoto… Não e não! Era ainda outra vez…
Aquele rato existe mesmo (desde que os heróis de papel sejam reais…) e tem nome: Níquel Náusea. Evocação de sarjeta do astro Disney, evidente no trocadilho óbvio e satírico, que dispensa mais comentários, mas aponta já para o que é a tira de imprensa que protagoniza e a que dá nome, de origem brasileira.
Aquele rato tem amigos. Ratos, como ele, também: Rato Ruter, o rato mutante (sem super-poderes, porque aqui falamos de coisas sérias!); o Sábio do Buraco, que sabe e conhece tudo… às vezes; a rata Gatinha, por quem se apaixonou, parideira profícua (de 10 em 10 minutos, exageram alguns…), mãe das suas muitas proles, que educa com amor e bofetões (que tanta falta fazem a tantos hoje em dia – o amor e, principalmente, os bofetões…); um rato canalha, com chapéu de orelhas de Mickey (vá lá saber-se porquê, gostava de se fazer passar por ele), que não passa de um Pateta (e não, este trocadilho não é meu, está mesmo no site do Níquel (http://www2.uol.com.br/niquel/index.shtml), que convém visitar regularmente, para acompanhar o dia-a-dia do rato.
Por isso, era uma vez um, dois, três, mais ratos – aqueles, os citados, e outros mais. E também um elefante de nariz sensível, uma minhoca com medo de ser enterrada viva, pulgas de classe que só mordiam cães de raça, cupins que fazem buracos na(s portas de) madeira para espreitarem as boazonas do prédio, um super-cão cuja visão de raio X o leva a atacar todos os (esqueletos de) humanos, traças viciadas em naftalina e insecticida, moscas que caem na sopa para… ler as letrinhas, um lobo mau com demasiado fôlego para soprar velas de aniversário, abelhas que delegam a produção de mel em moscas (a mão de obra mais barata…), uma formiga e um elefante apaixonados apesar das diferenças… religiosas, morcegos fãs de… Batman, caracóis que se divertem a tocar às campainhas e a… fugir… a… toda… a… velocidade…
E…
E mais uma enorme galeria animal (com tanto de humano, com tantos humanos… os maiores animais…?) com a qual o doutor (veterinário, claro está) Fernando Gonsales, faz sorrir, rir, gargalhar abertamente, há quase um quarto de século, que se completa no próximo ano, em tiras que somam já milhares.
Com elas, ele não só explora o conhecimento animal básico que faz parte da cultura geral, como também critica e satiriza a sociedade humana, desconstrói verdades (que julgávamos) absolutas, é cáustico com tantas personagens reais e/ou imaginárias que fazem parte do imaginário colectivo e cultiva um sentido de nonsense indescritível.
Nascido em São Paulo, em 1961, é um dos grandes humoristas brasileiros, publicado diariamente na Folha de S. Paulo e em vários outros jornais de todo o Brasil. Cartoon, ilustração, publicidade e argumentos para TV fazem também parte do seu currículo, onde se contam numerosos prémios e distinções e oito álbuns de Níquel Náusea editados pela Devir Brasil, alguns deles distribuídos em Portugal, estando o sétimo neste momento disponível.
Níquel Náusea que vive em tiras de poucas vinhetas, pintadas com cores lisas, de tons neutros, para salientar o seu traço falsamente simples, enganadoramente feio, uma vez que vive de imagens deformadas (por si só capazes de fazer rir) de animais (para tantos) nojentos. Mas um traço também dinâmico, expressivo, capaz de traduzir de forma directa, muitas vezes sem palavras – desnecessárias -, o gag que Fernando Gonsales imaginou.

Nota: As imagens que ilustram este artigo não pertencem necessariamente ao álbum referido.



(Versão revista e alterada do texto publicado no catálogo do V Salão Internacional de Banda Desenhada de Beja)

Sem comentários:

Enviar um comentário