Pierre Wazem (argumento)
Tom Tirabosco (desenho)
Futuropolis (França, Agosto de 2010)
200 x 300 mm, 120 p., bicromia, cartonado
Resumo
Uma experiência com o acelerador de partículas do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), aparentemente “engole” o sol, mergulhando uma cidade e os seus arredores na escuridão há já três semanas, provocando medo, desespero, motins, em resumo, o caos.
Um dos seus habitantes, uma jovem que sempre teve problemas de relacionamento e integração, adormece e acorda nos subterrâneos daquele equipamento, onde encontra um cientista perdido desde que a experiência teve lugar.
Desenvolvimento
Se o ponto de partida desta história desenvolvida pelos suíços Wazem e Tirabosco é a hipótese científica da absorção da luz por um buraco negro, a narrativa pouco tem de científico – e o pouco que tem é distorcido de forma deliciosa pelo argumentista para servir o seu relato - desenvolvendo-se numa ténue fronteira entre a realidade e o fantástico, mas com um tom íntimo, doce e sereno, que não deixa de surpreender e atrair o leitor
A protagonista – sem nome no relato – procura uma irmã gémea desaparecida durante um sono profundo, mas também a si mesma. Desde nova teve grandes dificuldades de relacionamento e de integração, vivendo como que num casulo, isolada do mundo, longe dos outros, fechada em si mesma. Com os seus medos e sonhos; recalcando desejos, procurando esquecer experiências traumáticas, numa cidade impessoal como – cada vez mais – são todas as cidades, desenvolvendo desde muito cedo uma realidade paralela onde se refugiou (e ainda vive?).
Com ela, vão-se cruzando o tal cientista, também perdido nos subterrâneos, a esposa deste que acaba de evitar um assalto feito por um jovem, ex-colega da protagonista.
O relato é estranho, ou melhor, estranhos são alguns dos seus acontecimentos: o assalto falhado, os laços desconhecidos que parecem unir todos os intervenientes, a gémea que dorme três semanas seguidas e desaparece durante o sono… A ponto de o leitor colocar em causa alguns deles e até a existência de todas as personagens.
Os encontros entre eles são serenos – excepto quando os monstros interiores do passado que o tempo não conseguiu vencer/esquecer conseguem quebrar as amarras a que foram sujeitos – surgindo nas suas conversas mais dúvidas do que certezas, mais perguntas do que respostas. Tantas quantas as dúvidas que ficam no leitor no final do relato – em aberto e com muitas pistas que obrigam a nova(s) releitura(s) e possibilitam várias interpretações.
Como certeza, fica a convicção de que Wazem e Tirabosco, como uma curta galeria de personagens, conseguiram, de forma sensível e terna, conduzir-nos num relato – cuja leitura não é fácil, concordo - pausado e íntimo pelo interior do ser humano, as suas recordações, a sua fragilidade, a solidão, o tempo da infância que acaba tão cedo (às vezes tão abruptamente...), com o qual provocam sensações antagónicas de serenidade e inquietude.
A reter
- O traço arredondado, grosso e expressivo dos lápis de Tirabosco, assente nas três cores por que optou – preto, branco, azul – e na forma como trabalha as texturas para obter volume, bem adaptado ao ritmo lento da história
- O tom sereno e ao mesmo tempo inquietante do relato, que decorre num mundo onírico à beira da catástrofe iminente.
- A forma como a história é apresentada que, se de início provoca alguma estranheza, com a continuação obriga o leitor a embrenhar-se nela, avançando e recuando para conseguir estabelecer pontos de equilíbrio e desfrutar plenamente dela.
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