31/01/2011

J. Kendall #69/#70





Giancarlo Berardi, Maurizio Montero (argumento)
Laura Zuccheri (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Agosto e Setembro de 2010) 
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, mensal, 4,00 € 

Resumo Julia Kendall desloca-se à pequena cidade de Wylmeth, no Texas, por motivos que só mais tarde nos serão relatados, sendo recebida com desconfiança e pouca hospitalidade pelos habitantes locais. Começa assim mais uma delicada investigação da criminóloga, que a levará a enfrentar situações limite que nunca viveu.

Desenvolvimento Há bandas desenhadas (filmes, romances) que recordamos não pelo todo, mas por uma ou outra cena marcante ou que, pelo menos, nos marcou especialmente. Pela cena em si, porque evocou alguma memória pessoal ou apenas porque naquele momento estávamos mais receptivos àquele acontecimento ou àquela mensagem. Foi o quer aconteceu comigo em relação a este díptico de Julia. Iniciando-se com o extenso (e quase mudo) mas pacífico relato da chegada da criminóloga a Wylmeth, no Texas, que ocupa mais de uma dezena das pranchas iniciais e que serve também para nos ambientarmos e nos apercebermos de algumas particularidades locais – a desconfiança para com os estranhos, a pouca hospitalidade… - a acção dispara depois, a partir da última vinheta da página 18 – e com ela a adrenalina do leitor - com a cena da (ameaça) de violação de Julia. É uma sequência (de novo) longa (de novo quase muda), mas não gratuita nem desnecessária, em que a (extrema) exposição e a (extrema) violência (basta a situação em si…) não vão além do bom senso ou do bom gosto – por muito estranho que isto soe… - mas são suficientes para chocar o leitor, para mexer com os seus sentimentos, pela forma como sentimos o terror puro da (involuntária) protagonista. Até pela (incapacidade de) reacção de Julia após o seu agressor se retirar. É uma sequência longa, sim, que serve acima de tudo para credibilizar Julia, enquanto personagem forte e humana, mas com todas as fragilidades das mulheres (dos seres humanos) comuns. Uma cena que me marcou e pela qual recordo esta história, pese embora uma outra (longa) sequência, também muito bem conseguida, aquela que faz a transição entre as duas edições, na qual Julia e o xerife local ficam presos sobre os escombros da esquadra local e na qual a criminóloga revela também sentimentos bem humanos e reais. Uma sequência em que a realidade e as angústias (in)conscientes de Julia se combinam e se confundem, de forma particularmente feliz, até pelo traço impressionista utilizado nela por Laura Zuccheri. São duas sequências chave, marcadas pela tensão, pela angústia, pelo medo, sendo estes sentimentos transmitidos através do uso de grandes planos dos rostos e pela constante mudança de enquadramentos, o que ajuda a potenciar o seu efeito ao longo do tempo (real) que as cenas duram. Na base da narrativa, que apresenta como curiosidade desenrolar-se numa cidadezinha quase parada no tempo, que evoca cenários (e mesmo algumas sequências) de (autêntico) western, incluindo uma perseguição a cavalo (!) completamente alheios ao que é tradicional na série, está a descoberta de um assassínio, em cuja origem teria estado – aparentemente – o ódio racial. Como habitualmente sólida e bem construída, a história irá ter diversas inflexões, revelar outras pistas e acabar por revelar tensões não ultrapassadas e relacionamentos não resolvidos como origem de tudo. Por tudo isto, é um policial com tudo para prender o leitor que facilmente poderá ser levado por pistas falsas que tornam (ainda) mais conseguido o desfecho final, com algumas surpresas mas uma grande consistência.

Nota
A edição #69 de J. Kendall - Aventuras de uma criminóloga está actualmente nas bancas portuguesas, devendo a edição #70 ser distribuída em meados do mês de Fevereiro.

(Texto publicado originalmente a 29 de Janeiro de 2011 no Tex Willer Blog)

11 comentários:

  1. Ok... vou ser sincero...
    Estas séries nunca me agradaram à vista, pode ser preconceito meu, mas nunca entrou! Nem o Mágico Vento, nem o Tex nem a Julia!
    Mas tenho de reconhecer um pouco de preconceito nisso...
    :)

    Abraço

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  2. Viva Bongop!
    Percebo-te perfeitamente; eu próprio já passei pelo mesmo...
    É verdade que as edições da Mythos não são famosas, principalmente para quem está habituado à cor, à encadernação e ao tamanho dos álbuns franco-belgas ou dos TPB americanos mas, no caso da Julia, vale francamente a pena pela qualidade das histórias.
    Eu também gosto bastante do Mágico Vento, mas menos do que dela.
    Quanto ao Tex, há algumas edições acima da média - aquelas que geralmente tenho destacado - que são interessantes. É o caso também de quase todos os Tex Gigantes, pelos autores que os desenham. Se visses o do Magnus ou o do Joe Kubert, de certeza que repensavas os teus preconceitos.
    A Mythos editou em tempos outras duas séries Bonelli que também valiam a pena: Martin Mystère e, especialmente, Dylan Dog, mas cancelou-as entretanto devido às baixas vendas...
    Um grande abraço!

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  3. Obrigado pelo Post fantástico Pedro. Amanha mesmo irei ás bancas comprar...Ainda custa acreditar que a série está em rico de ser cancelada pela Mythos...Haverá forma de adquirir uma versão em inglês???

    Uma vez mais obrigado e parabéns :)

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  4. Não é pelo preto e branco, pois tenho muitos livros nesse formato, é mais pela qualidade de impressão. Pronto... também porque sempre as achei pouco atractivas à vista, é verdade!
    :D

    Abraço

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  5. Nuno,
    Infelizmente, qualidade e vendas poucas vezes andam de mãos dadas...
    Tanto quanto sei, não há edições da Julia em inglês; a opção - se for váliada - são as edições originais italianas...

    Bongop:
    Sim as edições são fracas, o papel é fraco, a impressão é fraca (embora esteja melhor do que já foi)...
    Arrisca uma vez em Julia, acredito que vais ficar fã...
    Abraço aos dois!

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  6. Para além da edição italiana e brasileira, desde Janeiro que há também a opção de ler Júlia a criminóloga, em espanhol, isto porque a Aleta acabou de publicar (em formato "italiano" e em maravilhosas edições, mas custando 13,00€ e tendo 256 páginas, o equivalente a duas edições italianas) recentemente o nº 1, intitulada "Los ojos del abismo".

    Recomendo a leitura de Júlia e para provar o quanto me atrai, é a única série que por vezes consegue relegar até a leitura de um Tex...

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  7. Obrigado José Carlos,
    Pela informação... e pela confissão!
    Abraço!

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  8. André Azevedo3/2/11 12:28

    Caro Pedro Cleto,
    Sigo o seu excelente blogue à já algum tempo mas nunca fiz comentários.
    Já o deveria ter feito mas começo agora.
    Foi aqui que fiquei a saber que as bd’s do Tex e demais personagens bonnelianas ainda chegavam regularmente às bancas portuguesas. Comprei as edições de Janeiro e estou novamente fã (em miúdo comprava as edições da Vecchi do Tex em 2ª mão).
    Tenho duas edições da Júlia ainda por ler mas só as capas já fizeram de mim um comprador assíduo.
    Quando ao tamanho, acho demasiado pequeno, deveria ser no formato italiano, mas contudo não posso deixar de assinalar a nostalgia que sinto ao ir às bancas e comprar estas edições pequenas, a preto e banco e baratas, tipo o Falcão e afins, de pura aventura e bem diferentes dos comics americanos.
    Abraço.

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  9. Caro André Azevedo,
    Obrigado pela(s) sua(s) visita(s) e por este comentário.
    Tenho tentado divulgar aqui as edições disponíveis em Portugal - revistas e álbuns, de edição nacional ou não, de todos os géneros, para muitos gostos - e fico satisfeito se de alguma forma contribuí para que retomasse a leitura dos heróis que o acompanhram na sua juventude.
    Também acho que o formato italiano seria o ideal para estas edições Bonelli - considero que o formato original deveria ser sempre seguido, embora entenda porque tal não contece muitas vezes - e entendo perfeitamete a sua analogia.
    Fui leitor do Mundo de Aventuras, comprei algumas vezes O Falcão e outras revistas da época e era presença assídua nas bancas...
    Um grande abraço!

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  10. Eu acho que só é uma boa leitura para quando se tem insónias.
    E mesmo ai tem que se dosear tal é lentidao da novela.

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  11. Olá Optimus Prime!
    Uma leitura que nos adormece nunca é uma boa leitura, porque não foi capaz de despertar os nossos sentidos...
    No caso de Julia, acho que um dos grandes trunfos é o seu ritmo pausado, que permite que o leitor se embrenhe na trama e se aperceba melhor dos pormenores presentes no argumento e no desenho...
    ... mas felizmente que os gostos não são odos iguais!
    Abraço!

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