22/09/2011

Júlio Resende (1917-2011)

A obra aos quadradinhos
Júlio Resende, um dos grandes pintores portugueses contemporâneos, de obra (re)conhecida, faleceu ontem e vai ser muito falado por estes dias. Aqui, nas minhas Leituras, quero evocar uma faceta menos conhecida da sua obra, as histórias aos quadradinhos que fizeram parte do seu percurso artístico durante quase duas décadas.
A sua estreia no género deu-se nas páginas do Jornal de Notícias, a 26 de Fevereiro de 1933, no suplemento infantil “Para os Pequeninos”, contava o futuro mestre 17 anos. No mesmo espaço, aliás, fizera a sua estreia impressa, dois anos antes, em 25 de Dezembro.
Nos anos seguintes, a sua criação nesta área, já para jornais diários e semanários infantis, a par da produção de desenhos publicitários, intensificou-se, em boa parte pela necessidade de fazer dinheiro para ajudar a pagar o seu curso na Escola de Belas-Artes do Porto.
Tendo passado, de forma breve pelo “Tic-tac”, estreou-se nas páginas de “O Papagaio” no final de 1935 com “Coisas que Acontecem”, BD humorística que foi também a primeira colaboração com o irmão, António Resende Dias, que escreveria muitos dos argumentos que desenhou. Naquela revista, onde Tintin se estreou em Portugal e em cujos programas radiofónicos participou como animador, tanto assinou Júlio Resende como Júlio Rezende, só Resende, J.R. ou Dyas, tendo publicado mais de três de dezenas de histórias aos quadradinhos, curtas ou em continuação. Entre elas uma adaptação de Robinson Crusoé, num estilo semi-realista, e a história completa publicada numa separata no número especial de Natal de 1938, que faz dele um dos mais raros do papagaio.
É no entanto o humor que marca a maior parte das suas criações, que na maior parte dos casos continuam a ler-se com bastante agrado nos nossos dias, destacando-se as diversas aventuras de Freitas e Arrepiado, protagonistas, nos mais diversos géneros, de títulos como “Volta ao Mundo numa banheira”, “Arrepiado e Freitas cow-boys” ou “À Procura da Goma Arábica”.
Outra das suas criações mais celebradas aos quadradinhos é a dupla Matulinho e Matulão, protagonistas de peripécias e desgraças nas páginas de O Primeiro de Janeiro, entre 1942 e 1952.
Na sua base estão as birras do miúdo, mimado e caprichoso, que faz a vida negra ao seu paciente padrinho até ele lhe satisfazer as mínimas vontades. O grafismo de Júlio Resende nesta fase é bem mais depurado, como bem ilustra a figura do miúdo, cuja “cabeça e o chapéu à marujo” formam “progressivamente uma unidade indissociável, que lembra uma paleta de pintor”, como escrevem João Paulo Paiva Boléo e Carlos Bandeiras Pinheiro no catálogo “Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta”.
Naquele jornal, Júlio Resende colaborou também com desenhos infantis, cartoons e construções de armar e ilustrou os célebres calendários de Matulinho e Matulão, que sobreviveram às bandas desenhadas e duraram até aos anos 70.



(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 22 de Setembro de 2011)

3 comentários:

  1. Caro Pedro,
    Felicito-o por este artigo, por ter vindo lembrar a muitos que a desconhecem ou simplesmente a menosprezam (basta passar em revista as notícias que saíram nos jornais) a obra de Júlio Resende na área infanto-juvenil e das histórias aos quadradinhos. Infelizmente, sempre que, na comunicação social, se recorda e homenageia um grande vulto das nossas Artes nunca vem à baila a Banda Desenhada, mesmo no caso do Mestre Júlio Resende, em cuja evolução estética ela teve uma importância que não pode ser escamoteada. Aliás, naquela época (refiro-me aos tempos de juventude de JR) quase todos os estudantes de Belas Artes a praticavam, uns com mais talento do que outros, obviamente. Resende estava entre os primeiros e a sua produção do género, embora escassa, figura entre as melhores criações humorísticas da BD portuguesa do século XX, como "A Volta ao Mundo numa Banheira" e mesmo as peripécias de "Arrepiado e Freitas", que competiam com as de Tintin nas páginas d'O Papagaio.
    Se Resende não tivesse encontrado o equilíbrio das formas e das cores nessas primeiras composições artísticas, para um público que delirava com o absurdo sentido de humor das suas personagens, teria seguido a mesma trajectória que o elevou ao cume da ilustração e da pintura portuguesa? É bom relembrarmos onde começam, por vezes, as grandes carreiras e por isso me congratulo e o felicito por este artigo.
    Jorge Magalhães

    ResponderEliminar
  2. Caríssimo Jorge Magalhães,
    Agradeço mais uma leitura atenta e um comentário muito oportuno.
    Apesar do próprio Júlio Resende desvalorizar a sua obra aos quadradinhos, é inegavel o seu lugar na história da BD portuguesa e na própria carreira do mestre.
    Boas leituras!

    ResponderEliminar
  3. Será lembrado como um mestre...
    Para sempre

    Que descanse em paz

    ResponderEliminar