13/02/2012

Príncipe Valente nasceu há 75 anos


Príncipe Valente: a primeira prancha




A 13 de Fevereiro de 1937, um sábado, alguns jornais norte-americanos publicavam a cores a primeira prancha de uma das mais emblemáticas e fabulosas sagas que a banda desenhada viria a conhecer: “Prince Valiant in The Days of King Arthur”.

Ou seja, nascia aquele que em Portugal ficou conhecido como o Príncipe Valente pelos leitores do Mosquito (onde se estreou em 1948), do Mundo de Aventuras, do Jornal do Cuto e, principalmente, do jornal Primeiro de Janeiro, que o publicou semanalmente, a cores, durante 36 anos, entre 1959 e 1985.
Criada aos 44 anos por Harold Rudolph Foster (1892-1982), revelar-se-ia não só uma obra de maturidade, mas também a obra de toda a sua vida, pois a ela dedicou mais de 40 anos, durante os quais escreveu e/ou desenhou 2244 pranchas, as últimas cinco centenas já desenhadas por John Cullen Murphy (1919-2004). Após a morte de Foster os argumentos estiveram a cargo do filho de Murphy. Com a morte deste, em 2004, Mark Schultz (argumento) e Gary Gianni (desenho) assumiram esta BD, ainda em publicação nos nossos dias.
Curiosamente, Foster, que também foi desenhador de Tarzan, chegou a considerar os quadradinhos arte menor e a trocá-los pelo desenho publicitário, antes de voltar a eles por razões económicas.
A última prancha desenhada por Foster
As aventuras do Príncipe Valente (ou Val), cavaleiro da mítica Távola Redonda da Corte do Rei Artur, defensor de valores como a coragem, a amizade, a lealdade, a justiça, a honra e o cavalheirismo, constituem uma monumental saga, tão bem escrita como desenhada, em que se destaca o envelhecimento progressivo dos protagonistas: Val, que só aparece na terceira prancha da saga, começa como adolescente, torna-se depois um jovem fogoso, conhece a bela Aleta, rainha das Ilhas Brumosas, com quem casa e tem vários filhos - Arn, o primogénito, as gémeas Karen e Valeta, Galan e Nathan (este último já no consulado de Murphy) - que, à medida que o pai amadurece, vão crescendo – até à idade adulta - e assumindo, a vários níveis, cada vez mais protagonismo.
Porque, na BD com o seu nome, o Príncipe Valente está muitas vezes ausente ou é pouco mais do que espectador surgindo, também, no centro da acção Sir Gawain, cavaleiro da Távola Redonda, a rainha Aleta, os seus filhos, o escudeiro Arf, o vicking Boltar e outros mais, o que permitiu a Foster contar – muitas vezes em simultâneo – várias histórias que se combinam, cruzam e servem de referência.
Nelas, abordou aspectos sociais, políticos, militares e religiosos da época em que Val viveu, levando-o a percorrer meio mundo, da Europa – incluindo uma breve acostagem na costa portuguesa - à América, da África à Ásia.
Prancha 534
No aspecto formal, o facto de, ao contrário do que era habitual, o Príncipe Valente ter sido sempre publicado apenas como prancha dominical, sem a habitual derivação em tiras diárias, permitiu a Foster dedicar-lhes cerca de 50 horas semanais. Por isso, cada uma, nos seus monumentais 86 cm de altura por 70 cm de largura (ou seja cada vinheta tem aproximadamente o tamanho de uma folha A4) é uma obra de arte, de composição tradicional mas razoavelmente variada, traçada num preto e branco fino e detalhado, perfeito na correcta proporção do ser humano, sejam eles vigorosos guerreiros, belíssimas mulheres, alegres crianças ou veneráveis anciãos, expressivo na representação dos seus rostos, que transmitem todas as sensações de que o autor os quis dotar, e sublime na recriação de paisagens ou edifícios, com um pormenor inultrapassável.
Finalmente, numa época em que o balão de texto era já instrumento fundamental da narrativa sequencial em quadradinhos, a obra de Foster surpreende pelo recurso (aparentemente obsoleto) ao texto sob cada vinheta. Mas, só assim, Foster pode dar largas ao seu talento literário – atente-se na riqueza do seu vocabulário e na sua veia erudita – que condimentou com um assinalável sentido de humor com o qual, tantas vezes, coloca em causa princípios e bases do tempo em que Val viveu e do seu próprio tempo.


Um grande obrigado ao Manuel Caldas pela disponibilidade para esclarecer algumas questões e pela selecção das imagens que ilustram este texto e também o de amanhã.

(Versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Fevereiro de 2012)



5 comentários:

  1. Excelente artigo :) Com rigor académico :) No entanto, peca por falta de informação, pois existirá uma exposição dedicada aos 75 anos do Príncipe Valente no âmbito do Festival MAB na estação de metro de São Bento na cidade do Porto! Esta informação está divulgada no cartaz oficial, assim como em todos os meios de comunicação social nacional e internacional! Agora sim, a informação está completa!

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  2. Álvaro Cabrita Campos16/2/12 08:32

    Ainda não está completa, a informação. Falta dizer que uma vizinha minha trabalhava nas oficinas do Mosquito na altura em que começou o Príncipe Valente. E havia um senhor que trabalhava no Primeiro de Janeiro....

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    1. Que eu saiba essa informação não tem a ver com os 75 anos do Príncipe Valente, pois estamos a falar do aniversário de um personagem e não quem fazia o quê em Portugal ou noutro canto do mundo.

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  3. Caros Anónimo e Álvaro Cabrita Campos,
    É tudo uma questão de tempo e de espaço - que segundo Einstein são conceitos relativos - e daquilo que cada um quer valorizar.
    Uns o MAB, outros os esforçados trabalhadores portugueses que contribuíram (ou não) para que Portugal lesse alguma da melhor banda desenhada que já foi criada. ;)
    A mim, para assinalar esta data, interessava-me destacar especificamente esta criação de Foster. Foi o que fiz.
    Boas leituras!

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  4. É questão de tempo e espaço sem a minima dúvida:)
    Não o diria Einstein melhor.
    Esforçados trabalhadores sempre contribuiram para gáudio e deleite dos pouco esforçados minimalistas de ocasião. Mas serão concerteza novos capítulos de banda desenhada perdidos num qualquer infinito desconhecido a que só os MAIS visivéis aspiram para que se sintam homenageados AD ETERNUM com o labor dos outros durante anos.
    Nisso nem Einstein ou outro qualquer pensador opina. Tudo na teoria do grão de areia encravado num qualquer microscópico.

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