Assim em cima assim embaixo
O círculo interno o círculo externo
Laudo ferreira (argumento e desenho)
Omar Viñole (arte-final)
Devir Livraria (Brasil, Dezembro de 2009 e Agosto de 2010)
165 x 240 mm, 160 p. e 136 p., pb, brochado
R$ 23,00 / R$ 22,50
Resumo
Biografia ficcionada da vida de Jesus Cristo, assenta numa
profunda pesquisa bibliográfica não só das tradições católicas e dos evangelhos
canónicos mas também de escritos apócrifos.
O primeiro tomo aborda desde a concepção e nascimento de Cristo
até ao seu encontro com João Baptista e o segundo mostra a sua permanência no
deserto durante 40 dias, o estabelecimento e consolidação do seu ministério e o
seu primeiro encontro com Judas Iscariotes.
Desenvolvimento
São muitas as biografias de Jesus Cristo existentes, umas
mais romanceadas do que outras, o que não deve surpreender numa sociedade
ocidental que se diz cristã e seguidora dos seus ensinos - embora a prática o
demonstre muito pouco…
E nos últimos anos, de forma recorrente, também por culpa do
sucesso mediático de algumas delas, temos mesmo assistido a uma proliferação de
obras, potencialmente polémicas, que, mais do que colocar em causa Cristo, têm
questionado a imagem que ao longo dos séculos a Igreja Católica foi
(de)formando dele.
Este tríptico de Laudo Ferreira e Omar Viñole – o terceiro
tomo e último tomo deverá ser editado no segundo semestre do corrente ano –
pode bem encaixar-se nesta (abrangente) corrente criativa.
Não porque se adivinhe ou perceba nele a vontade de chocar, não
porque se apreenda alguma intenção de polemizar, mas porque, para o preparar,
Laudo Ferreira documentou-se - de forma série e aprofundada – em grande número
de obras – históricas, canónicas e apócrifas - indo bem mais além da visão
tradicional de todos mais ou menos conhecida, ao mesmo tempo que contextualiza
a sua narrativa numa época histórica precisa, da qual faz uma boa recriação
gráfica.
Até porque, o seu intuito era – e conseguiu-o – humanizar as
personagens ligadas aos eventos de que Jesus foi protagonista, primeiro Maria,
a sua mãe, depois o próprio Jesus. Não só porque os apresenta como seres
humanos com fraquezas, hesitações, problemas, questões e dúvidas em relação ao
que deles é exigido, mas também porque os despoja dos traços místicos e/ou divinos
que normalmente lhe estão associados.
Para isso, sem entrar em pormenorização de explicações para
o que de sobrenatural existe na história tradicional cristã, Laudo Ferreira leva
as personagens a procurarem no seu interior a força, as razões, as motivações
para realizarem – nem sempre linearmente – os feitos que lhe são atribuídos –
embora nalguns casos fique a dúvida de como conseguiram lá chegar, como no caso
da cura do cego.
Com isso, consegue uma obra de grande densidade emocional,
muito estimulante – que deve ser lida de espírito aberto, sem preconceitos –
cujo conteúdo não é preciso aceitar mas cuja leitura pode até ajudar a afirmar
as crenças daqueles que têm fé.
A reter
- O dinamismo gráfico de uma obra que obriga a leitura atenta
e ponderada.
- A consistência da narrativa, apesar de afrontar questões profundamente
enraizadas na cultura e no senso comum ocidentais.
Menos conseguido
- Apesar de contribuir para a credibilização da obra, a
utilização dos nomes originais dos diversos intervenientes, se não fará grande
diferença à maioria dos leitores - dado o desconhecimento geral da cultura
bíblica nos nossos dias - poderá causar alguma confusão – e quebra do ritmo de
leitura - àqueles que estão mais familiarizadas com a Bíblia.
- O baptismo de Jesus por João Baptista, no final do
primeiro tomo, segue o modelo católico, com o despejar de algumas gotas na sua
cabeça. Algo pouco credível, ainda mais devido à investigação e à contextualização
da acção na sua época histórica, sabendo que a palavra “baptizar” no original significa
“imergir, mergulhar”…
Se há pecado de que não se pode acusar a Igreja Católica é precisamente o que ter deformado a imagem de Cristo. Pelo contrário: a sua preocupação sempre foi e continua a ser a de preservar a imagem de Cristo formada pelos evangelhos canónicos e pelos outros livros do Novo Testamento. A deformação, essa sim, é que tem sido feita pelas obras que questionam a imagem de Cristo segundo a Bíblia. Uma deformação que a cada novo livro que aparece (como o imbecil “O Último Segredo”) pensa sempre basear-se em novas descobertas mas que quase mais nada faz do que, com mais ou menos desonestidade intelectual, repetir o que Renan (honestamente) escreveu há mais de cem anos.
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