07/11/2012

O Cabra













Flávio Luiz (argumento e desenho)
Artur Fujita (cor)
Papel 2 (Brasil, 2010)
250 x 380 mm, 56 p., cor, brochado
R$ 38,00




Primeiro
Todos os álbuns de banda desenhada deviam ter (pelo menos) este tamanho.
Pelo menos aqueles cujo desenho vibra, pulsa, transborda, chama os leitores a mergulhar no universo desenhado.
Um formato gigante que permite uma maior impacto da acção, onde os pormenores saltam à vista, onde os olhares e os movimentos são mais precisos e expressivos.

Segundo
Muitas bandas desenhadas deviam ser assim.
Capazes de transportar naturalmente os elementos reais e específicos da cultura de onde o autor é oriundo para os mundos ficcionados de papel que ele escolheu. (E tão poucas vezes a banda desenhada nacional foi capaz de o fazer, perdendo oportunidades de marcar a diferença, também por aí…).
Porque se este é uma história do cangaço, com um fora-da-lei tipo Robin Hood que desafia coronéis donos da terra (e dos que nelas trabalham), cuja autoridade é imposta pela força das armas e da repressão, ela é também um relato de ficção-científica, ambientado no ano de “3 mil e não sei quantos” num planeta Terra devastado por guerras e experiências genéticas e assolado por uma desertificação quase total que transformou a água no bem mais precioso.
A isto, acresce ainda uma história de amor de contornos originais, um conseguido equilíbrio entre os vários registos combinados e um final a um tempo previsível e inesperado.

Terceiro
Não todas, mas muitas bandas desenhadas deviam ser assim.
Capazes de combinar géneros, influências (assumidas e assimiladas), citações, aventura e acção, romance e crítica social, para criar novos universos e contar velhas histórias com nova roupagem, num registo em que se encontrem os pontos de referência suficientes para serem identificados mas também as variantes capazes de surpreender, estimular e cativar.

Quarto
O responsável por esta obra é Flávio Luiz, sobre quem Sidney Gusman, editor-chefe do UniversoHQ e responsável pelo planeamento editorial da Maurício de Sousa Produções, escreveu, com justiça, que o seu “talento é grande demais para ficar limitado apenas à Bahia”, afirmação que subscrevo, por isso o trago aqui hoje.
Conheci-o (à distância) há poucas semanas quando me pediu o endereço para me enviar algumas obras. Uma vez recebido o pacote, “O Cabra” chamou de imediato a atenção, pelo formato, sim, mas também pela excelente linha clara à qual não consegui resistir.
Uma linha clara límpida, dinâmica e expressiva, servida por um traço semi-realista, surpreendentemente (para um brasileiro) próximo do registo europeu que associamos à revista belga Spirou.
Uma linha clara que denota à-vontade no tratamento da figura humana e dos cenários, com soluções narrativas diversificadas, enquadramentos dinâmicos e uma planificação que potencia a legibilidade da história.
E que tem a felicidade de contar com um soberbo trabalho de cor - baseado em tons quentes para a narrativa principal e em sépias mais sombrios para os flashbacks que explicam o porquê do ódio entre o Cabra e o Coronel - da responsabilidade de Artur Fujita, que ajuda a definir ambientes e momentos da acção e é uma inegável mais-valia para esta obra.


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Ótima obra que representa com maestria um nordeste do Brasil com pitadas futurísticas e cyberpunk. E o seu texto foi a crítica mais sincera deste HQ. Parabéns.

    ResponderEliminar