03/05/2013

Nem tabaco, nem sexo






  






No número inicial da nova revista protagonizada por John Constantine, a DC Comics, sem aviso prévio ao autor, apagou da boca do herói o cigarro que ele geralmente ostenta. Mais um ataque do politicamente correcto ao mundo dos quadradinhos.

John Constantine, criado em 1985 por Alan Moore, na série “Monstro do Pantano” (“Swamp Thing”), e adaptado ao cinema em 2005, num filme protagonizado por Kanu Reeves, é um mago exorcista que se tornou protagonista de “Hellblazer”, um dos principais títulos adultos da editora de Batman e Superman.
O cigarro acompanhou-o desde sempre, tendo mesmo sido causador de um cancro dos pulmões que o levou a estabelecer um pacto com o demónio num dos mais marcantes arcos da série.
Agora, o primeiro número da nova revista, integrado nos Novos 52, a mais recente remodelação do universo da DC Comics, deveria ter na capa principal um desenho do brasileiro Renato Guedes, com Constantine a fumar encostado a uma lápide, observado de perto por zombies. No entanto, este passou para a capa alternativa, surgindo nos pontos de venda uma ilustração do também brasileiro Ivan Reis, mas de onde o tradicional cigarro foi apagado, sem aviso prévio ao autor, como o próprio confirmou ao site Omelete. No interior da revista, aconselhada para maiores de 16 anos, Constantine fuma inveteradamente, como é habitual.


John Constantine não é o único herói fumador dos quadradinhos. Acessórios normais em algumas épocas ou aceitáveis noutras em que os malefícios do tabaco ainda não eram (re)conhecidos, o cigarro, o charuto ou o cachimbo surgem naturalmente nas mãos de Blueberry, Tex, capitão Haddock,  Blacksad ou Blake e Mortimer. No entanto, em contrapartida, outros heróis de papel foram obrigados a perder o vício, como Lucky Luke (para poder aceder aos EUA), Gaston Lagaffe, Zé Carioca ou Wolverine - apesar dos seus colegas da Marvel Nick Fury e J.J. Jameson continuarem fumadores…
Durante anos, estas questões politicamente correctas – ou censórias? - nos comics norte-americanos, foram regulamentadas pelo Comics Code Authority. Em 1954, o psiquiatra Fredric Wertham, autor do livro “Seduction of the innocent” (que hoje se sabe não ter tido uma base científica credível), encabeçou uma campanha contra os quadradinhos acusando-os de destruírem os valores morais norte-americanos e de poderem levar os jovens ao crime, às drogas e à violência.
Dada a amplitude que o caso ganhou, foi criado o Comics Code Authority (CCA), identificado na capa das revistas por um selo. A iniciativa partiu das próprias editoras, como forma de mostrarem a sua preocupação com os leitores e era uma autocensura prévia que proibia nos quadradinhos a nudez, violações, divórcios ou protagonistas femininas com atributos sexuais exagerados.
Já neste século o CCA foi sendo abandonado por várias editoras, deixando definitivamente de ser utilizado em Fevereiro de 2011, optando cada editora por impor as suas restrições, que geralmente estão mais relacionadas com o erotismo, geralmente muito contido. Frank Cho é um desenhador com um largo currículo nesta área, pois as heroínas sexy e pouco vestidas que tem desenhado para a Marvel Comics têm sido sucessivamente tapadas de forma mais ou menos evidente.


Outro exemplo diz respeito à revista gratuita preparada por esta editora para o Free Comic Book Day de 2012, em que recuperou uma BD da saga “Age of Ultron”, mas “vestindo” a Mulher-Aranha que na edição original aparecia nua após ter sido espancada por inimigos.
Por isso não deixa de surpreender a história em que a Catwoman e o Batman se envolvem (sexualmente) publicada na revista “Catwoman” #1 e reproduzida em “A Sombra do Batman” #1.
O caso mais recente, envolveu a plataforma europeia de BD digital Izneo e a Apple, tendo esta última forçada a primeira a retirar do seu catálogo para o mercado norte-americano perto de 1500 títulos, por os considerar pornográficos. Entre as obras censuradas estavam “Murena”, uma série de reconhecida qualidade histórica mas também ousada do ponto de vista sexual, mas também outras bem mais banais e recatadas (do ponto de vista europeu) como “Largo Winch”, “XIII” ou até… Blake e Mortimer!

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 16 de Abril de 2013)


12 comentários:

  1. Anónimo3/5/13 15:13

    Nem beijo acrescentava eu Pedro...na BD belga era proibido o beijo durante muito tempo....

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    1. Caro Anónimo,
      Sei disso e de outras questões, como a eliminação de decotes e armas dos heróis que teve lugar em Portugal, Espanha e França, mas os exemplos citados são actuais...

      Boas leituras... sem censura!

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    2. Jorge Fernandes3/5/13 16:56

      Pedro,

      É verdadeiramente lamentável esta censura, numa Europa em pleno século XXI. :(

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    3. Olá Jorge,
      Isto passa-se nos (hipócritas) EUA... Na Europa Há um bocadinho mais de liberdade... até ver!

      Boas leituras... sem censuras!

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  2. Livra! O Gaston também fumava? Esta não sabia eu! Não seriam umas...hum... "brocas"?

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    1. Jorge Fernandes3/5/13 16:57

      Mário,

      Isso explicaria muitas coisas! ;)

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    2. Verdade verdadinha e depois de ter lido o Ideias Negras (li-o em francês há muitos anos numa edição J'ai Lu!) o Franquin, para mim, tornou-se um dos maiores! E a gaivota do Gaston? Sempre achei que o bicho andava... pedrado! Aqueles olhos!? Não?

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    3. Mário,
      Às tantas era mesmo isso...

      E, sim, Jorge,
      Isso explicava muita coisa!!!

      Mário, outra vez,
      As Ideias negras foram editadas há uns anitos em português pela Witloof, numa edição muito simpática que vale bem a pena, se a conseguir encontrar...

      Boas leituras... sem censuras!

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  3. Constantine mais uma vitima do politicamente correcto, :(

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    1. Infelizmente, Optimus.
      O politicamente correcto cheira (muito) mal e nunca trouxe nada de bom, a nenhum nível...

      Boas leituras... sem censuras!

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  4. Numa "homenagem" ao ENORME Jaqques Tati (em França!!!) não sei há quanto tempo, também lhe roubaram o cachimbo e, por este andar ainda vamos ver as "Gajas D'Avignon" do Picasso vestidinhas de... burca!

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    1. Caro Mário,
      Quem sabe... mas cabe-nos a nós - leitores atentos - lutar contra isso...

      Boas leituras... sem censuras

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