13/12/2013

Astérix entre os Pictos







Acalmado o rebuliço mediático que o seu lançamento causou, a distribuição, hoje, do álbum Astérix entre os Pictos, com o jornal Público, integrado na colecção Astérix à Volta do Mundo, é o pretexto (desnecessário) para uma (re)leitura de um álbum que, se não tem a marca de génio (e a originalidade) que era apanágio de René Goscinny, está também longe de ser tão mau como (alguns) o pintaram.

Saiba porquê, já a seguir.

Os autores de um novo álbum de Astérix enfrentavam um desafio grande: fazer esquecer as criações recentes de Uderzo a solo mas, mais do que isso, aproximar-se do legado de Goscinny. Pelo menos era isto que lhes era exigido pelos fãs do gaulês, esquecendo que, para o bem e para o mal, Astérix contava até à data com 34 álbuns e é nesse conjunto que é necessário encontrar a sua identidade. Ou, desde há cerca de dois meses, nos 35 álbuns existentes (onde a viagem à terra dos Pictos já está incluída) pois é esse o grande perigo da retoma de grandes séries: expandir o seu universo até ao ponto de não se distinguir entre o original e as tentativas de aproximação.
Ferri, de forma inteligente, tentou regressar à época dourada das aventuras dos gauleses, retomando a temática das viagens, assente na necessária base histórica, sem excessos. A par disso, criou uma série de momentos que fazem a ponte com outros álbuns e permitem uma maior identificação do leitor com a nova história: a neve das primeiras pranchas (como acontecia em Astérix e Cleópatra), a ida à praia (Astérix e os Normandos), etc. Não esqueceu, igualmente, as cenas incontornáveis, sejam elas confrontos com romanos, os problemas do chefe com o escudo ou o banquete final.
Quanto à trama global em si, ela está bem explanada, sem grandes surpresas, é verdade, mas com alguns bons momentos de humor, trocadilhos e jogos de palavras conseguidos e um retrato consistente (e identificável) dos pictos (e dos seus descendentes escoceses).
No entanto, para além da ausência de Ideaifix – que até poderia ter uma interacção interessante com Atroik - Ferri comete, a meu ver, dois erros graves.
O primeiro, é o monstro do Loch Ness, algo que Goscinny não utilizaria (pelo menos de forma tão óbvia, acredito eu), mas que faz sentido no seguimento das ‘inovações’ que Uderzo introduziu em álbuns recentes.
O segundo, mais grave, é a presença do censor romano na aldeia, tolerado pelos gauleses, algo inacreditável pois a sua aceitação é o reconhecimento implícito da pertença ao império romano, pondo de lado a sua irredutibilidade. Não que ele não seja fonte de uma série de gags sequenciais bem conseguidos que são mesmo do melhor a nível de humor que o álbum apresenta; a personagem só não faz sentido integrada no espírito da série e face ao carácter dos seus protagonistas.
Em termos de desenho, Conrad conseguiu mimetizar bem o traço de Uderzo nos anos 70/80, embora os seus fundos sejam (bem) mais despidos, por vezes as personagens pareçam suspensas sobre os cenários (à moda de uma certa animação…) e, surpreendentemente, revele algumas insuficiências nas representações femininas, o que é de espantar olhando a algumas das suas obras…

Uma nota final para o infeliz baptismo em português do protagonista picto, MacBrasa – graficamente próximo de Umpá-pá, numa interessante homenagem a Goscinny e Uderzo - pela colagem excessiva – porquê? - a um dos protagonistas da série televisiva Anatomia de Grey e por datar demasiado a opção, que daqui a alguns (poucos?) anos será incompreensível, em especial quando muitos dos outros pictos receberam nomes portugueses bem conseguidos. A título de curiosidade, fica a referência que no original francês o seu nome – MacOlloch – era uma corruptela de ‘colloc’ (camarada, amigo…).




Astérix entre os Pictos
Jean-Yves Ferri (argumento)
Didier Conrad (desenho)

Edição Público + ASA
(capa no topo do texto)
225 x 295 mm, 48 p., cor, brochado com badanas
6,95 €

Edição ASA
(capa ao lado)
225 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado
12,90 €

2 comentários:

  1. Jorge Fernandes13/12/13 21:38

    Álbum que tirou um pouco a série do grande fosso em que tinha caído, nos últimos álbuns. Bem melhor que os anteriores (não era difícil), mas longe dos tempos áureos de (um génio chamado) Goscinny.
    Para primeiro álbum da dupla está bastante aceitável, havendo a limar algumas arestas, bem apontadas no artigo: o Ideiafix podia ter sido incluído na viagem (como é que o Obélix aceita a separação?), o visionamento do monstro podia ter sido mais subtil (com nevoeiro), e o censor romano podia ser o fulano que rondava a aldeia e ia tentando fazer o seu trabalho. Do lado de fora. A sua presença é de facto, e verdadeiramente, contra natura o espírito da série.

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  2. Olá Jorge!

    Diria mesmo mais, pôs fim (ou apenas um intervalo?) ao pesadelo dos leitores...!
    Quanto ao resto, estamos em sintonia.

    (Continuação de) boas leituras!

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