Se são diversas – e nunca serão demais – as obras aos
quadradinhos (ou não…) que abordam as perseguições aos judeus por parte dos
nazis durante a II Guerra Mundial, são menos aquelas que mostram os efeitos que
essas experiências traumáticas provocam na vida daqueles que a elas
sobreviveram.
Lâcher prise, que
surge na sequência de Seules contre tous,
narra a forma – surpreendente? – como a autora reage ao pedido do filho para o
ajudar a conseguir a nacionalidade húngara – que a mãe teve – para ir viver
para a Alemanha.
Análise de um relato forte e profundamente sofrido já de
seguida.
Se em Seules contre
tous Katin privilegiara uma escrita de urgência, como que se a obra
funcionasse como catarse de memórias (distorcidas e) reprimidas, o que primeiro
surpreende agora é a dificuldade da autora encarar o ‘retorno’ do filho às
nações que ela se habituou a odiar - a sua Hungria natal onde tanto sofreu, e a
Alemanha, responsável por esse sofrimento – como uma traição e mesmo um
desrespeito.
Por isso, sem dúvida, ao contrário do tom premente do
primeiro, este é um livro onde a acção se demora, onde se adivinha a guerra
íntima da autora, traduzida até na forma como transpõe para o papel a génese da
própria obra, mostrando como tudo parecia contribuir para a afastar desse momento.
Como se, de alguma forma, isso contribuísse para a obrigar a encarar de frente
a nova situação.
É mostrando os sucessivos avanços e recuos, confron-tando-se
com algumas memórias e fantasmas, sentindo a incompreensão de alguns, expondo
mesmo as consequências físicas que a situação provocou, que Miriam Katin, num expressivo
traço em lápis de cor, vai revelando como toda aquela situação a afectou
profundamente e como conseguiu, finalmente lidar com ela.
Tudo isso, faz de Lâcher
prise – mais do que do livro anterior? – um livro perturbador e incómodo em
que a autora confessa como tudo aquilo que passara há tantos anos continua vivo
e a condicionar o que ela é e faz mais de meio século depois…
Lâcher prise
Miriam Katin
Futuropolis
França, Janeiro de 2014
195 x 265, 152 p., cor, cartonado, 22,00 €
Sem comentários:
Enviar um comentário