15/06/2014

Julieta Arroquy: "Estou surpreendida com o que Ofélia fez..."











Chama-se Julieta Arroquy, é argentina, tem 38 anos e esteve na Feira do Livro de Lisboa para autografar o seu livro Ofélia: Pare, Escute e Olhe (Clube do Autor).
De passagem pelo Porto, conversou com As Leituras do Pedro.

Formada em comunicação, empregada bancária durante 9 anos “sem saber porquê”, chegou à BD apenas “aos 32 anos, depois de uma rotura de uma curta relação amorosa” que a deixou “muito triste”.
Começou a desenhar “, algo que não fazia desde a adolescência, piadas sobre as emoções e o estado de alma” e mostrou-as “aos amigos, tendo “descoberto que até funcionavam e eles se divertiam. Eram um retrato exagerado do que sentia” e da sua forma de estar. Ao fim de “8 meses, um amigo de um amigo mostrou-as a um editor de um jornal que ia lançar uma revista feminina, gostaram e começaram a publicá-lo em 2008”.
Inicialmente, uma vez que não se considera “grande desenhadora, contava as histórias com objectos – chávenas de café, roupa interior… - que pudessem ter uma conotação com relacionamentos”.
Ofélia, o seu actual alter-ego, nasceu por acaso, em 2011: “inicialmente, quando dava autógrafos, limitava-me a fazer uma dedicatória e a assinar, mas via os colegas a fazerem desenhos, alguns deles muito trabalhados, o que provocava imensas filas”. Dessa forma, criou um desenho – a futura Ofélia – “para incluir nos autógrafos”.
Passá-la para os quadradinhos foi “algo natural, relativamente fácil, pois era algo muito pessoal, sem expectativas nem intenções de publicar.”
Revela alguma dificuldade em definir Ofélia, mas sempre vai dizendo que “parece uma criança mas é uma mulher”. Apesar de nas primeiras tiras surgir mais adulta, foi evoluindo naturalmente para uma mulher mais nova, num processo espontâneo no sentido da simplificação gráfica”. Não sentindo necessidade de “respeitar proporções humanas nem questões de realismo, para Ofélia ser facilmente identificável tem um corte de cabelo específico, um vestido vermelho e umas botas que a definem”.
Mulher inquieta, do nosso tempo, Ofélia “é muito analítica mas também muito inocente; faz muitas perguntas para as quais geralmente não encontra resposta e tenta crescer interiormente para conseguir estabelecer relações amorosas mais sólidas”.
Ao contrário de outras protagonistas de cartoons femininos, a Ofélia “não lhe interessa a moda, as operações plásticas, as dietas nem tudo aquilo que tem a ver com os clichés do mundo feminino”.
Aliás, a autora considera que “é redutor dizer que Ofélia espelha um olhar feminino. Os temas que ela aborda são “universais, não reflectem apenas o que as mulheres sentem. As dificuldades de relacionamento ou o medo da solidão são comuns aos dois sexos, possivelmente as mulheres expressam-no mais apenas por razões culturais e tradicionais”. Talvez por isso, apesar de ter “mais leitoras do que leitores, nos últimos anos há cada vez mais homens a ler Ofélia”.
Reconhece, sem dificuldade, que há muito de si nela, pois é “a sua primeira fonte”. Ofélia foi uma forma de “falar de assuntos que são universais, que pertencem ao imaginário colectivo”. Por isso, “sem contar a vida”, aproveita muito do que vive: “Ofélia acaba por ser muito catártica”, pois consegue transmitir o que sente mas “com um sorriso; as coisas sensíveis acabam por ficar divertidas”.
Com livros editados na Argentina, em Espanha e, desde Novembro último, em Portugal, Julieta Arroquy não deixa de se surpreender “com o que Ofélia fez”, pois surgiu como algo pessoal e “foi mudando o que acontecia” à sua volta.
Como “através do desenho é muito mais fácil chegar às pessoas”, Ofélia tem servido para “colocar algumas questões” que a preocupam: “redes de prostituição, inflação, etc… Sem bandeiras políticas mas aproveitando a sua popularidade para falar de coisas” que lhe parecem importantes.
Se muitas vezes há preconceitos em relação às autoras de BD, Julieta Arroquy não se queixa, afirmando mesmo que foi “muito bem recebida no meio da BD argentina”, embora reconheça que na maior parte das vezes está sozinha “em mesas com homens (autores)! É claramente um meio masculino” mas sente-se “bem tratada, talvez porque há poucas mulheres!”
Quando está em casa tenta desenhar “uma tira por dia, para publicar no blog [È un mondo difficille] ou no Facebook”, para “garantir maior actualidade e chegar a mais pessoas”. Quando viaja não desenha, aponta ideias para mais tarde concretizar. No fim do ano faz uma selecção para incluir num novo livro. Quanto às “contas, são pagas pelo trabalho de jornalista…”
Quando publicava “regularmente na imprensa – num jornal argentino e noutro mexicano -  tinha que adaptar a tira à actualidade, às festividades ou aos conteúdos, o que implicava uma perda de espontaneidade”. Agora sente “menos pressão e as ideias fluem mais facilmente”.

(Versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 7 de Junho de 2014)

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