20/09/2014

Heróis de BD contra Hitler










Quando a II Guerra Mundial deflagrou, faz este mês 75 anos, a banda desenhada era já uma arte completa e claramente popular, pelo que não surpreende que autores e heróis se tenham unido num esforço comum contra os agressores nazis e os seus aliados.
Uma breve viagem pelas séries de guerra aos quadradinhos, começa já a seguir.


Isto surge em claro com traste com o que acontecera cerca de três décadas antes, durante o primeiro conflito mundial, quase sempre transposto para o papel pelos próprios soldados, a partir das trincheiras.
Alguns heróis, foram mesmo criados a propósito do conflito, como aconteceu com o Capitão América (em 1941) ou a Mulher Maravilha (1942), vestidos à imagem da bandeira americana. Desta forma não surpreende que, por exemplo, no seu número de estreia, em 1941, o Capitão América surgisse a esmurrar Hitler logo na capa. No interior, o super-soldado imaginado por Joe Simon e Jack Kirby, como símbolo americano por excelência, combatia com enorme êxito os nazis onde eles se encontrassem, desde os espiões a actuar em solo americano aos seus líderes em pleno coração da Alemanha.
O seu sucesso repercutiu-se nos outros super-heróis, sendo vulgares no início da década de 1940 capas em que Batman, Superman, Capitão Marvel, a Mulher Maravilha e outros surgem a combater e/ou a ridicularizar Hitler e Hirohito e as suas tropas. Esta abordagem, no entanto, procurava manter estes heróis numa segunda linha, para que o protagonismo fosse para os verdadeiros soldados, como forma de propagandear a sua acção unir ao seu redor a população norte-americana.
Na verdade, o primeiro intuito das bandas desenhadas de guerra, surgidas ainda durante a II Guerra Mundial, amparadas por uma máquina de propaganda que se viria a revelar eficaz, era aumentar a moral dos americanos que trabalhavam na retaguarda e também das tropas no terreno que consumiam avidamente as tiras de jornais e os comic-books que lhes eram enviados.
Pin Up, uma série franco-belga de Yann e Berthet, nascida nos anos 90, transpôs para os quadradinhos esta realidade, mostrando o efeito das aventuras da sensual espia Poison Ivy junto das tropas, que inclusive visitava, a exemplo do que aconteceu na realidade.
Na época, muitos dos autores que, naturalmente, iam sendo mobilizados, punham a sua arte ao serviço da máquina bélica, quer desenhando manuais militares, quer criando histórias aos quadradinhos para os jornais do exército, como aconteceu com Will Eisner, criador de The Spirit.

Deste esforço de guerra, como protagonistas, activamente no conflito ou actuando nos seus cenários, fizeram também parte heróis clássicos que os portugueses leram, em especial no Mundo deAventuras, a partir da década de 1950.
É o caso de Buzz Sawyer  e Terry e os Piratas (1943)  ou de Johnny Hazard (entre nós também conhecido como João Tempestade), que em 1944 – em linha com a actualidade! - começava as suas aventuras de piloto aviador fugindo de um campo de concentração alemão onde se encontrava prisioneiro, partindo daí para uma série de arriscadas missões de guerra, de que Frank Robbins o fez sair sempre vencedor. O Fantasma e Tarzan tiveram também confrontos com soldados alemães ou japoneses, o mesmo tendo acontecido – mais recentemente – com as Tartarugas Mutantes Ninja!
Do outro lado do Atlântico, na França recém-libertada da ocupação, Edmond Calvo, considerado o Walt Disney francês, criava La Bête est Mort, uma sátira alegórica com animais que narrava o conflito e a ocupação e antecipava a queda de Hitler.
Depois da guerra terminar – e sem dúvida embalados pela vitória aliada – muitos autores criaram séries e heróis que tinham como palco o conflito. Em 1947, na Bélgica, Charlier e Hubinon tomavam como ponto de partida o ataque nipónico a Pearl Harbour para narrarem toda a guerra do Pacífico tendo como protagonista o aviador Buck Danny.
Heróis como Mam’selle X, membro da resistência francesa, ou Ene 3 (Spy 13 no original!), um espião britânico hábil na utilização de disfarces, brilharam nas páginas da pequena revista O Falcão, cuja estrela foi, sem dúvida, o piloto luso-britânico Jaime Eduardo de Cook e Alvega, cujas aventuras o Falcão publicou em grande quantidade. Se a nacionalidade portuguesa foi sem dúvida um ponto a favor do intrépido aviador, muitos dos seus leitores ignoravam com certeza que na origem era uma criação britânica que dava pelo nome de Battler Britton - England's Fighting Ace of Land, Sea and Air, criado em 1956 por Mike Butterworth Geoff Campion, mas que chegou a ser desenhado por autores como Hugo Pratt, José Ortiz e Dino Battaglia, ao serviço da agência britânica Fleetway (que também empregou os portugueses Vítor Péon e Eduardo Teixeira Coelho) que explorou largamente este filão.
Pratt, criador de Corto Maltese, fez o seu alter-ego seguir as suas pegadas, em alguns dos cenários da chamada guerra do deserto que, em África, opôs as tropas britânicas aos comandados do marechal Rommel, que retratou também na série Os Escorpiões do Deserto.
Em tempos mais recentes, Émile Bravo imaginou uma possível infância de Spirou em Le Jornal d’un Ingénu, recheado de referências à BD franco-belga, que situa o groom em Bruxelas no âmago dos acontecimentos que conduziriam à II Guerra Mundial.
Uma outra abordagem encontra-se em Le Fils d’Hitler, do holandês Pieter De Poortere, em que Dickie, o seu anti-herói de bigode, com cabeça de Playmobil (sic), num dos seus passeios pela História, aterra em plena II Guerra Mundial, omo filho “perdido” de Adolf Hitler, num relato mudo recheado de nonsense e de humor politicamente incorrecto.
Do Japão, país que pertenceu a lote dos derrotados, realce para duas séries fundamentais: Gen de Hiroshima (Hadashi No Gen), de Keiji Nakazawa, que narra de forma realista e crua a sobrevivência de um adolescente no período que se seguiu ao bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki, e Adolf, de Osamu Tezuka, que conta em paralelo a história de três homens de nome Adolf: um judeu japonês, um alemão e Hitler.
Quanto a Maus, de Art Spiegelman, distinguido com um Pulitzer, apesar de retratar os judeus como ratos, os nazis como gatos e os polacos como porcos, narra de forma crua e chocante a história de um sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz e as marcas profundas que isso lhe deixou.
Se é verdade que na vida real os acontecimentos foram bem mais complicados do que nas aventuras de papel, é indiscutível que os heróis dos quadradinhos tiveram um papel importante no conflito, fazendo do combate pela liberdade a sua razão de existir o que até levou a que alguns – como o Capitão América original – desaparecessem em combate, como mais uma das muitas baixas que o conflito provocou.

(Versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 20 de Setembro de 2014)

3 comentários:

  1. Curiosamente reli no início deste mês a série Adolf do Tezuka.
    Interessante seria também conhecer as produções da época do Japão, Itália e Alemanha (curiosamente hoje países importantes nas histórias aos quadradinhos) mas ai dos vencidos...

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    1. V,
      Entre as Bandas desenhadas dos vencidos, seleccionei duas das mais conhecidas - e ambas muito boas: o Adolf e o Gen.
      Não só por serem vencidos não nos chegou muito mais, mas também +porque não são países cuja BD seja editada por cá...

      Boas leituras!

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  2. Sim! Eu digo precisamente que, dos vencidos, pouco sobrou dos elementos que foram publicados durante e antes da guerra. Mas não haja dúvida de que, para lá do mundo das histórias aos quadradinhos, grandes obras foram feitas sobre a guerra, precisamente por artistas de países vencidos mas sempre, claro, posteriormente.
    A isto muito também podia ser dito sobre as origens judaicas de muitos dos criadores de super-heróis da época dourada, mas isso já seriam outras histórias...

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