Se o Charlie Hebdo
está nas bocas de todo o mundo pelo atentado que sofreu na passada
quarta-feira, os cartoons polémicos têm-se sucedido ao longo dos anos também em
Portugal ou Espanha.
Gaiola Aberta, O Moralista ou El Jueves são alguns dos exemplos.
Ainda a revolução de Abril não tinha um mês e a 15 de Maio
surgia nas bancas portuguesas (mais) uma nova publicação. Intitulava-se Gaiola Aberta, em óbvia referência à
mudança política em curso no país e o seu responsável era José Vilhena.
A capa, bastante suave, mostrava Luís de Camões e o general
Spínola, abraçados. O número seguinte deixava antever já um pouco do que a Gaiola Aberta viria a ser: Marcelo
Caetano, sentado na sanita, pedia a Américo Tomás um dos seus discursos para
suprir a falta de papel higiénico…
Embalado pelos ventos de liberdade que sopravam, José Vilhena
daria depois largas ao seu virtuosismo gráfico e à sua verborreia irónica e
mordaz, nem sempre bem recebida numa época diferente da actual, pouco habituada
a certos excessos de linguagem ou imagens mais chocantes ou sexualmente
explícitas. Apesar disso – ou por isso mesmo – a revista foi um sucesso e
chegou a ter uma tiragem de 150 mil exemplares.
Mário Soares, Álvaro Cunhal, Sá Carneiro, Freitas do Amaral
e figuras da igreja católica foram recorrentes na sua capa, embora nem todos
tivessem o mesmo poder de encaixe. Sucederam-se, por isso, os processos contra
o escritor e cartoonista, que quase o levaram à penúria.
O mais mediático teve lugar no final de 1981, quando o
humorista utilizou numa fotomontagem – uma técnica então inovadora que ele
muito explorou – a princesa Carolina do Mónaco a aquecer um copo num local
pouco habitual… Era uma paródia a uma publicidade de whisky então em voga mas o
principado aceitou-a mal e pediu uma indemnização milionária de 400 mil
dólares. Após anos nos tribunais, com avanços e recuos, a queixa acabou por ser
retirada, embora os custos com advogados tenham sido muito altos para Vilhena.
Mais tarde, viveria situação similar com O Moralista, outro dos títulos que
editou, onde fotomontagens de mulheres nuas a que apôs a cabeça de
personalidades como Catarina Furtado, Bárbara Guimarães ou Margarida Marante
lhe valeram sucessivos processos.
Vilhena também já tinha tido problemas com as suas edições
antes do 25 de Abril, então com a censura e a PIDE, tendo mesmo sido preso por três
vezes. E não foi mais pois, como chegou a afirmar numa entrevista, sempre que
ia sair um livro novo, saía uns dias de casa para a PIDE não o encontrar.
Mais recentemente, aqui ao lado, em Espanha, a revista El Jueves, teve números proibidos ou
aprendidos devido ao seu conteúdo.
Em 2007, uma capa que caricaturava o príncipe Filipe e
Letícia a terem relações sexuais, aludindo ao subsídio de 2500 € por filho
então proposto pelo governo espanhol, levou um juiz a ordenar que fosse
retirada do mercado. A decisão chegou demasiado tarde, pois a edição estava
praticamente esgotada e não tardou a que muitos exemplares surgissem a preços
exorbitantes em sites de leilões e vendas em segunda mão.
Mais recentemente, em Junho passado, a notícia da abdicação
ao trono do rei Juan Carlos levou a El
Jueves a anunciar uma capa em que Filipe de Bourbón, com uma mola no nariz,
utilizava uma tenaz para retirar da cabeça do rei a coroa cheia de imundície.
Quando a revista chegou às bancas, os protagonistas da capa eram outros,
aparentemente por decisão da própria editora.
Oficialmente a explicação foi que não houvera tempo para
efectuar a mudança da capa, mas segundo alguns jornais, teria havido grandes
pressões por parte da casa real espanhola que obrigaram a revista a destruir os
600 mil exemplares já impressos com a polémica capa. A verdade é que a situação
o director da revista e mais dois dos seus desenhadores a apresentarem a sua
demissão.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
9 de Janeiro de 2015)
Bom texto Pedro, claro, informativo e oportuno.
ResponderEliminarObrigado, RC.
EliminarBoas leituras!