05/03/2015

A Louca Do Sacré-Coeur








Distribuído hoje com o jornal Público, A Louca Do Sacré-Coeur, depois de Um Contrato com Deus, de Will Eisner, é o segundo volume da colecção Novela Gráfica, editada pela Levoir,  e marca o reencontro de dois marcantes autores de BD: Alejandro Jodorowsky e Moebius.

Sinopse, ficha técnica, primeiras pranchas e breve análise da obra já a seguir.

Alain Mangel, professor de filosofia na Sorbonne, é seduzido por uma das suas alunas, Elisabeth. Possuída por verdadeiros delírios místicos, ela arrastará o professor para um furacão de acontecimentos inesperados e delirantes que irão pôr à prova a racionalidade de Mangel. Paródia mística, farsa sagrada, caminho iniciático, exorcismo, o percurso do protagonista vai levá-lo a abrir os seus olhos para outra realidade.
A Louca Do Sacré-Coeur
Alejandro Jodorowsky (argumento)
Moebius (desenho)
Levoir / Público
190 x 260 mm, 192 p., cor, cartonado, 9,90 €

Alejandro Jodorowsky é um dos nomes mais importantes do teatro e cinema dos finais do século 20, um escritor e artista ligado ao surrealismo e a muitos vanguardismos. Criador, com Topor e Arrabal, do grupo de performance surreal Mouvement Panique, autor de filmes tão marcantes como El Topo ou Santa Sangre, Jodorowsky viria a enveredar por caminhos mais místicos, como o "psico-xamanismo" que criou, mas sem nunca cair na loucura, como o seu herói Antonin Artaud, a quem foi buscar muita da sua inspiração. Com um currículo deste calibre, pode parecer surpreendente que ele seja também conhecido como um dos maiores autores de banda-desenhada de sempre, uma carreira que iniciou nos anos 1980 depois do seu encontro com Jean Giraud, mais conhecido como Moebius, o outro criador que assina este álbum, A Louca do Sacré-Coeur.

Esse encontro deu-se por causa dos filmes de Jodorowsky. Depois de ter feito El Topo - geralmente descrito como um "western on acid" - Jodo (como é muitas vezes chamado) mudou-se para os EUA, onde realizou Holy Mountain, outro filme complexo e esotérico que lhe granjeou enorme fama na cena underground de Nova Iorque. Jodorowsky foi então convidado para realizar aquela que ele queria que fosse a sua obra-prima, a versão cinematográfica da saga de ficção-científica de Frank Herbert, Dune. E foi durante a pré-produção deste filme que conheceu Moebius, na altura em plena fase da revista Métal Hurlant... e, como se costuma dizer, o resto é história. A produção de Dune falhou completamente - Salvador Dalí tinha aceitado aparecer no filme no papel do Imperador Corrino, e pedia 100,00$ por minuto que aparecesse no ecrã, a música tinha sido encomendada aos Pink Floyd e a Stockhausen, Orson Welles ia fazer de Barão Harkonnen e muitas outras loucuras em que Jodorowsky gastou mais de 2 milhões de dólares, só em pré-produção - mas a amizade de Jodo com Moebius continuou, e resultou na publicação em 1981 do primeiro álbum daquela que seria uma das mais aclamadas e mais vendidas séries de banda-desenhada de sempre, O Incal.

"Um dia, uma jovem que assistia a um dos meus cursos de tarot veio falar comigo depois da aula, ela e mais duas amigas, todas atacadas por algum tipo de loucura colectiva. Pediu-me que eu lhe fizesse um filho! Dizia que eu era Zacarias e queria gerar comigo um novo João Baptista."
- Jodorowsky

Mais de uma década depois, Jodorowsky e Moebius voltariam a colaborar neste fantástico A Louca do Sacré-Coeur, em que Moebius volta a um registo de desenho mais próximo da linha clara franco-belga, mas em que aparecem sempre que necessário os momentos surreais e futuristas que fizeram a sua fama em O Incal. Depois de anos em que enalteceu a via mística e da loucura sagrada, Jodorowsky assinou este argumento que é crítica da religião dominante, revisitação da Imaculada Concepção em versão comédia louca, e ao mesmo tempo busca que a sua personagem central vai fazer por uma verdade mais profunda. Jodorowsky ri-se simultaneamente da filosofia ocidental e séria, da universidade, do misticismo selvagem, da religião, do New Age e faz uma paródia de Carlos Castañeda, num livro que é um marco na carreira destes grandes autores, e ao mesmo tempo uma das suas obras mais singulares.

Drama, religião, sexo, você goza com tudo neste livro, no fundo?
"Claro, mas a história acaba numa nota muito positiva. Vemos como é que um homem, saído da tradição do intelectualismo europeu e roubado das suas emoções e dos seus instintos, vai encontrar circunstâncias que o atiram para um mundo mágico - que também é o mundo da loucura - e como esse homem, que não tem meios para se defender nessa dimensão, e que se torna rapidamente numa vítima, vai finalmente descobrir quem é, e com essa descoberta vai recuperar os valores mais profundos que tinha perdido. E, no fim, o milagre acontece. E é uma conclusão lógica: a trilogia é toda ela uma apologia do milagre. Quando o amor existe, o milagre acontece..."
- Jodorowsky

Originalmente publicada em três volumes - La Folle du Sacré-Coeur (1992), Le Piège de l'Irrationnel (1993), Le Fou de la Sorbonne (1998) - a trilogia viria a ser mais tarde baptizada com o nome de Le Coeur Couronné, O Coração Coroado.
A versão editada pela Levoir/PÚBLICO segue a recente edição integral francesa no formato (mais próximo do americano) e no nome, mantendo o título do primeiro álbum, pelo qual a história é mais conhecida.

Quanto a Jodorowsky, recomendamos a todos os seus fãs que vejam o fabuloso documentário que Frank Pavich lhe dedicou, Jodorowsky's Dune: The Greatest Science-Fiction never made, cujos trailers são fáceis de encontrar no YouTube, bem como uma genial entrevista chamada Alejandro Jodorowsky on "The Dance of Reality" and the healing power of art.



(Texto e imagens fornecidos pela editora)

Sem comentários:

Enviar um comentário