O Livro do Mr. Natural, é colocado hoje à
venda com o jornal Público, numa edição da Levoir.
Sétimo volume da colecção
Novela Gráfica, serve de alguma forma de introdução a um dos maiores nomes da
banda desenhada underground norte-americana.
Algumas pranchas e a nota de imprensa
fornecidas pela editora já a seguir.
Robert
Crumb é um dos maiores nomes da banda desenhada americana, e um pioneiro do
movimento dos comics alternativos e "underground".
Alternativos por serem diferentes das revistas das editoras que dominavam o
panorama dos comics de então, quase exclusivamente dedicadas aos
super-heróis, e muitas vezes mesmo por serem auto-publicados. E "underground"
pela escolha dos seus temas, muitas vezes subversivos e chocantes para a
América da época, frequentemente criados sob a influência do LSD, e que
obrigavam a que estas revistas fossem distribuídas por vezes de modo
clandestino. Criador de personagens tão icónicas como Fritz the Cat ou Mr.
Natural, Robert Crumb foi distinguido em 1999 com o Grande Prémio do
Festival de Angoulême, e continua a ser um dos artistas de banda desenhada
mais controversos da actualidade.
Nascido em 1943, Robert Crumb, para além
de autor de banda desenhada, é também um talentoso músico, com uma predilecção
particular pelo jazz e folk. O seu trabalho foi inicialmente publicado em
várias revistas da época, a Help! (publicada pelo célebre Harvey
Kurzman, que deu o seu nome aos famosos prémios profissionais de BD nos EUA, os
Harveys), na Cavalier, em cujas páginas se estreou em 1967 a sua
mais célebre criação, Fritz the Cat, e na revista Yarrowstalk, onde se
estreou o Mr. Natural. Em 1968 lança a Zap Comix - cujos primeiros
números foram impressos pelo célebre Charles Plymmell, poeta, escritor e
artista gráfica da geração beat, que viveu na mesma casa com Allan
Ginsberg, e que conviveu com alguns dos grandes desse movimento, como William
Burroughs e Clay Wilson - publicada por Don Donahue, um editor (Apex Novelties)
que foi praticamente o fundador do movimento underground comix. Muitas
das mais icónicas personagens de Crumb foram criadas sob o efeito de LSD, que
tomou regularmente durante os últimos anos da década de 1960.
O
primeiro número da Zap foi vendido pelas ruas de São Francisco pelo
próprio Crumb, e pela sua mulher Dana, com o stock empilhado dentro do carrinho
de bebé desta última! A revista viria mais tarde a acolher muitos outros
artistas da cena underground, como Spain Rodriguez, Rick Griffin ou
Gilbert Shelton, para citar apenas alguns. A revista trazia na capa do primeiro
número a menção "Fair
Warning: For Adult Intellectuals Only", uma etiqueta que se poderia
aplicar a muito do trabalho de Crumb ao longo dos anos. Como curiosidade,
podemos também referir que os dezasseis números da revista, editados ao longo
de muitos anos (a sua periodicidade era notoriamente irregular...), venderam
muitos milhões de exemplares no total.
Depois da fase dos underground
comix, Crumb evoluiu para comics mais auto-biográficos - mas nem por
isso menos controversos, e que lhe valeram inúmeras acusações, de misógino e
pervertido sexual, até racista, por causa da maneira como muitas vezes representava
as mulheres e os afro-americanos nas suas histórias geralmente publicadas numa
revista nova que lançou em 1981, e que durou até 1993, chamada Weirdo. A
evolução de Crumb era visível, esta revista foi fundada após uma sessão intensa
de meditação (e não de LSD!), inspirada por uma tendência mais punk, mas
nunca atingiu a popularidade que a Zap tinha atingido.
Ao longo dos anos, Crumb
notabilizou-se por muitos outros trabalhos e controvérsias. Ilustrou muitos dos
números de American Splendor, de Harvey Pekar, foi objecto de um
documentário em 1994, realizado por Terry Zwigoff (um documentário que ganhou o
Festival de Sundance, foi aclamado universalmente como um dos melhores
documentários daquele ano, e que fez com que a Academia redefinisse o processo
de nomeação de documentários, tal foi a indignação por Crumb não ter
ganho o Óscar). Crumb instalou-se desde 1991 numa pequena aldeia do Sul de
França, onde vive desde então quase como um eremita. Criou uma versão do Livro do
Génesis em banda desenhada em 2009, e mais recentemente voltou a surgir
no centro das atenções com o cartoon que ilustrou por ocasião dos
atentados do Charlie Hébdo em Paris.
Robert Crumb ganhou
inúmeros prémios ao longo da vida: em 1991 entrou para Will Eisner Comic
Book Hall of Fame, e em 1999 ganhou o Grande Prémio do Festival de
Angoulême.
O
Mr. Natural foi uma das primeiras personagens recorrentes que Crumb criou, e
uma das mais... "mistificantes"! Mas quem é o Mr. Natural?
Guru místico que renunciou ao mundo moderno e artificial, charlatão que explora
a ingenuidade dos seus seguidores, ou sábio com poderes paranormais, uma
honestidade desarmante e... uma paixão pela mulheres? Com esta personagem, Crumb
vai satirizar de modo feroz, quer a contra-cultura dos anos 1960, quer a
modernidade consumista e superficial.
Nesta
antologia do célebre guru, os leitores portugueses poderão descobrir algumas
das mais icónicas histórias da personagem, publicadas em várias épocas. Entre
elas, podemos assinalar algumas que são particularmente relevantes. Assim,
"Mr. Natural encontra-se com Deus" (e a sua segunda parte, "Mr.
Natural leva um pontapé no cu"!), em que é expulso do Céu (e perseguido por
Deus depois) por dizer que "o Céu é piroso" é uma das mais conhecidas
e divertidas histórias do místico maluco. Poderemos também ler a "Origem
do Mr. Natural", perdão, de Fred Natural, uma divertida biografia que
Crumb escreveu para o número 1 da revista Mr. Natural. Chamamos a
atenção também para uma das mais escandalosas (e controversas) histórias que
Crumb escreveu, a que envolve Mr. Natural com a famosa Big Baby, a Bebé Grande,
que prova que mesmo os gurus mais adoráveis podem ser ambíguos e complexos,
sobretudo quando expressam as divagações e repressões do seu autor.
Para
retomar as palavras do crítico Craig Hill, "Mr. Natural representa o
superego, o melhor da natureza humana - independência e autoconfiança,
compaixão, um sentido do eterno e da universalidade. No entanto, os
acontecimentos desta história ["Mr. Natural em A Vadiar... de Novo!"],
mostram que é óbvio que ele é tão vulnerável aos excessos do id como qualquer
outra pessoa. Como personagem notável e complexa de banda desenhada, Mr.
Natural fará com que os leitores se sintam divertidos ou envergonhados - ou
ambos ao mesmo tempo - durante gerações." E a própria capa deste comic,
que é reproduzida neste volume, endereça essas preocupações do autor com a
ilustração de Mr. Natural e da Bebé Grande a dançar, enquanto a legenda
proclama, "Não se preocupem! Acreditem ou não, ela tem mais de dezoito
anos!", numa história que na altura deixou muitos dos leitores de Crumb
espantados e chocados.
E
finalmente, o leitor poderá ler uma das mais longas e "sérias"
histórias de Mr. Natural, em que o próprio autor aparece para justificar o
facto de a sua personagem ser exilada para um hospício (mandada internar por um
dos seus mais antigos seguidores, Flakey Foont, que representa também em certa
medida o próprio Robert Crumb), num verdadeiro discurso fúnebre que marca
também a evolução do próprio autor. Saindo da sua fase psicadélica, Crumb
enveredaria por outros caminhos na BD, e parece ter querido
"enterrar" esta sua criação de uma maneira óbvia. Nunca o fez definitivamente,
Mr. Natural ressurgiria em histórias posteriores (incluindo no célebre ciclo da
Devil Girl, cujos materiais não estavam disponíveis para integrar esta
antologia), mas ficou algum desencantamento de Crumb pela via pela qual o mundo
moderno parecia estar a enveredar, pela desaparição dos espaços naturais, dos
pequenos negócios e bandas de música locais. Mr. Natural sempre representou um
ideal muito individualista e de auto-suficiência, mas não do tipo que
identifica o sucesso com a acumulação de riquezas, poder, status, bens
materiais e destruição da Natureza.
Por
mera curiosidade, podemos referir que existe um Mr. Natural REAL! Este
indivíduo, ele próprio um membro proeminente da contracultura dos anos 60,
afirma ter sido uma das inspirações para a personagem, e mudou legalmente o seu
nome para Mr. Natural, com autorização do próprio Crumb. Ainda hoje vive em São
Francisco, onde ensina música (www.mrnatural.net). E que guru místico
não se viu envolvido num escândalo de pornografia? Pois fiquem a saber que Mr. Natural
foi estrela de um filmo porno (não-autorizado!) chamado Up in Flames, onde
contracenou com os Fabulous Furry Freak Brothers (estes últimos também
personagens de BD famosos criados por Gilbert Shelton).
Poderão
ver aqui uma série de podcasts com Robert Crumb, pesquisando por este título:
John's Old Time Radio Show with Robert Crumb
E uma
série de ilustrações da sua mais recente obra, O Livro do Génesis, já lida em As Leituras
do Pedro.
E
o Mr. Natural foi para o museu, como tema, não como visitante, como poderão ver
neste artigo do New York Times: Mr. Natural Goes to
the Museum.
O Livro do
Mr. Natural
Robert
Crumb
Levoir/Público
Portugal,
9 de Abril de 2015
210
x 270 mm, 128 p., preto e branco
capa
dura, 9,90 €
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