20/10/2015

Gavião Arqueiro: Quem pelo arco vive














O exagero é evidente, mas vou escrever na mesma: só pela edição deste volume, a colecção Poderosos Heróis Marvel, que a Levoir e o Público (ainda) estão a propor (até ao próximo dia 29 de Outubro) já valeu a pena.

Vou começar por dois pontos (bastante) negativos, para que no final da leitura deste texto, fique na mente do leitor uma boa impressão do livro.
O primeiro é a capa, de escolha completamente infeliz (para não dizer mais). Dada a especificidade do grafismo desta fase do Gavião Arqueiro, justificava-se, mais, impunha-se que a imagem tivesse sido seleccionada entre as várias (e muito boas) ilustrações da autoria de David Aja (como se pode ver nas edições espanholas, no final deste texto). A capa escolhida para este volume, para além de não ter nada em comum com o conteúdo, parece-me muito pouco interessante, seja qual for o ponto de vista que se utilize para a apreciar.
Má, também – embora acredite que valores (leia-se imposições) mais altas se levantaram por parte da Panini/Marvel – é a história que encerra o volume e que pela sua vulgaridade e falta de conteúdo se constitui como um autêntico balde de água fria para o leitor, quase como quem diz: ‘subiste ao céu com o Gavião Arqueiro de Fraction e Aja? Aqui tens um banho de realidade super-heróico para não esqueceres em que universo estás!’ Francamente – continuando a acreditar que a Panini/Marvel vetou a inclusão do (também muito bom) comic #7 de Hawkeye Vol. 4 - preferia um volume com menos páginas…

Destilado o veneno (!), passemos então à justificação da minha frase inicial.
Se até é verdade que Fraction não é, geralmente, um escritor que me encha as medidas, reconheço que aqui acertou em cheio, ao abordar o Gavião Arqueiro – Vingador menor no Universo Marvel – pelo lado da sua identidade (não muito) secreta, Clint Barton. Dessa forma, confere ao registo um tom muitas vezes intimista – expectável em BD de autor ou até (semi-)autobiográfica, mas nunca num registo de super-heróis – fazendo do seu quotidiano o cerne da acção.
Não consegue – nem faria sequer sentido se assim fosse – expurgá-lo totalmente do seu lado super-heróico, cuja importância vai oscilando, mas o retrato que traça, que fica, que sobressai, é o de um perdedor nato, infeliz com as mulheres – que até o querem! -, incapaz de ver mesmo à sua frente a felicidade – que tão desesperadamente busca!  - e atolando-se em problemas de cada vez que tenta fazer algo de bom.
O tom narrativo é pausado, de um grande equilíbrio e com um notável sentido de humor, a relação com os vizinhos/arrendatários é a um tempo próximo e distante, por culpa da solidão (desesperada) que Barton teima em cultivar, os confrontos com o gang russo que pretende o prédio onde ele vive acabam quase sempre mal, a relação com o irmão é tudo menos tranquila e os únicos raios de luz na sua existência acabam por ser o cão Flecha (depois Fortus – de fortuna) – um verdadeiro achado por parte de Fraction – e a bela, insubmissa e impetuosa Kate Bishop, já pupila, substituta, amiga, conforto e ajuda mas que continua a querer ser algo mais.
Se a temática deste comic de super-heróis – publicado em título próprio nos EUA – já era surpreendente, possivelmente só poderia resultar de forma tão perfeita e estimulante com o traço – também surpreendente no contexto em questão – de David Aja, sujo e esquemático, assente numa planificação muitas vezes minimalista com as vinhetas a multiplicarem-se nas páginas, desconstruindo a acção e/ou detalhando-a até (quase) ao limite.
Javier Pulido, que desenha dois dos números aqui compilados – como Francesco Francavilla ou Annie Wu, lá mais para a frente) – tenta(m) aproximar-se o mais possível desse original, mas quem realmente se destaca - e deve ser destacado – é Aja.
O conjunto, não tenho problema em escrevê-lo, é um dos melhores livros de super-heróis (dos muitos) editados em Portugal nos últimos e próximos anos, mas que transcende o simples género e pode/deve ser lido por leitores que habitualmente fogem dele.

Se deixei acima nota de dois problemas graves desta edição, a verdade é que há um outro – este inevitável – que tenho de referir. Embora as histórias sejam auto-conclusivas, a verdade é que este arco (longo, de 22 comics) escrito por Fraction, deve ser lido (cronologicamente e) na íntegra, pois integra vários segmentos narrativos, que se vão desenvolvendo e cruzando.
Em tempos destaquei aqui o segundo volume – Ojo de Halcón: Pequeños aciertos, na edição espanhola da Panini, que inclui uma pequena pérola muda, protagonizada por Flecha – mas o acaso fez com que o terceiro volume – Ojo de Halcón: Rio Bravo, que já integra o último comic da dupla Fraction/Aja, com data original de Setembro, nos EUA -  fosse lançado agora em Espanha, pelo que se me afigura inevitável trazê-lo(s) como (necessário) complemento deste Gavião Arqueiro: Quem pelo arco vive até porque, possivelmente, nunca serão editados por cá.
Nele, a narrativa segue dois rumos diferentes – embora com alguns pontos de contacto – seguindo a tentativa de mudança de paradigma de Kate, agora na costa Oeste – mas perseguida pela Madame Máscara - (de certa forma) em paralelo com o caminho autodestrutivo de Barton, às voltas com os mesmos problemas mas mergulhado numa solidão (auto-imposta) cada vez maior.
Até ao final – inevitável (?) mas justo e coerente – que une as pontas soltas e (dentro do possível) (re)coloca tudo no sítio. E é mais um argumento – forte! – a favor de uma leitura integral, de seguida, para quem foi lendo o Gavião Arqueiro em comic ou compilações.

Gavião Arqueiro: Quem pelo arco vive
Inclui Hawkeye Vol. 4 #1 a #6 (2012) e Young Avengers Presentes Vol. 1 #6 (2008)
Matt Fraction (argumento)
David Aja, Javier Pulido e Alan Davis (desenho)
Matt Hollingsworth (cor)
Levoir/Público
Portugal, 15 de Outubro de 2015
175 x 265 mm, 136 p., cor, capa dura
8,90 €


Coléccion 100 %
Inclui Hawkeye Vol. 4 #71 a #12 (2013)
Matt Fraction (argumento)
David Aja, Steve Liber, Francesco Francavilla e Javier Pulido (desenho)
Matt Hollingsworth e Francesco Francavilla (cor)
Panini Comics
Espanha, Março de 2014
170 x 260 mm, 144 p., cor, brochada com badanas
14,50 €

Ojo de Halcón #3: Rio Bravo
Coléccion 100 %
Inclui Hawkeye Vol. 4 #13 a #22 (2013-2015)
Matt Fraction (argumento)
David Aja, Annie Wu, Chris Eliopoulos (desenho)
Matt Hollingsworth (cor)
Panini Comics
Espanha, Setembro de 2015
170 x 260 mm, 232 p., cor, brochada com badanas
19,95 €

(Imagens fornecidas pela Levoir ou retiradas do blog de David Aja)

3 comentários:

  1. A inclusão da história dos Young Avengers vem da edição americana, que inclui os números 1-5 da série, mais essa história. Para evitar complicações de aprovações, decidiu-se incluir essa história também. Dito isto, a única outra opção seria não incluir essa história e NÃO a substitituir por mais nada. Batalhei para incluir o #6 também, porque me parece que apresenta um ponto de paragem de leitura ideal para quem talvez não continue a leitura desta série. Embora se perceba perfeitamente que a história vai continuar, ela acaba num ponto optimista e directo, e faz com que o álbum funcione como um todo. Assim, a edição da Levoir é igual à edição do primeiro trade US com mais uma história. Mas não havia mais nenhum número que funcionasse, pelo que retirar a do Young Avengers só iria fazer diminuir o número de páginas do livro (que teria ficado com 136), opção que preferi evitar, numa colecção em que alguns livros já tinham número de páginas mais pequeno do que o usual nestas colecções.

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    1. Caro José Freitas,
      Obrigado pela 'explicação oficial', que de alguma forma confirma o que escrevi acima.

      Boas leituras!

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  2. Só posso concordar com tudo o que o Pedro disse. Este livro foi realmente uma lufada de ar fresco num mundo em que os comics são, na maioria dos casos, mais do mesmo com algumas variações mais ou menos interessantes. Quando acabou eu fiquei bastante destroçado. Adorava que publicassem os restantes comics.

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