Dois irmãos

Em obras próprias, com personagens próprias ou – como é o caso – adaptando um romance, Fábio Moon e Gabriel Bá demonstram o que já todos sabemos – ou devíamos saber - são dois dos nomes grandes da banda desenhada contemporânea.

Introdução

Dois irmãos adapta em banda desenhada (ou histórias em quadrinhos, para seguir a terminologia em voga no Brasil) o romance homónimo do escritor brasileiro Milton Hatoum (Manaus, 1952), distinguido em 2000 com o prémio Jabuti.

A obra narra a história de Yaqub e Omar, ao longo de mais de meio século e é pretexto para revisitar a história de Manaus em particular e do Brasil em geral, na primeira metade do século XX, a emigração do próximo oriente naquele país e, acima de tudo, o relacionamento humano.

Desenvolvimento

Gémeos – tal como Bá e Moon, autores desta BD – Yaqub e Omar, filhos de pais libaneses, cedo se afastaram empurrados pelas preferências parentais, os amores juvenis, a inveja, o ciúme, o sucesso ou a falta dele.

Através deste romance, agora primorosamente transformado num romance gráfico, é narrada a história trágica de uma família de emigrantes e tecida uma longa teia de relacionamentos – ou da falta deles – à luz do melhor e do pior do ser humano e da forma como os membros mais próximos da família – o pai, Halim, Zana, a mãe e matriaca, Rânia, a irmã mais nova, Domingas, a empregada fiel, Nael, filho desta última – vão vivendo, aceitando ou tentando atenuar o distanciamento crescente entre Omar e Yaqub que, como este chega a afirmar “oxalá seja resolvido com civilidade” porque “se houver confronto será uma cena bíblica”.

História de segredos que só aos poucos se vão revelando, pejada de paixões e amores, nem todos lícitos, está narrada com conta, peso e medida, sem heróis e nem quase personagens simpáticas – o que abona a favor do realismo e da humanidade do relato - num crescendo emocional que obriga a ler de uma assentada as mais de duas centenas de pranchas deste livro.

 

A reter

- O modo como Dois irmãos funciona perfeitamente na sua versão BD/HQ, não dependendo da leitura do romance original – o que não significa que a dispense.

- A perfeita simbiose entre Bá e Moon, que se complementam e completam e, possivelmente, ao criarem a quatro mãos se estimulam e desafiam, como está à vista de todos.

- O traço personalizado, que em obras mais recentes nos habituámos a ver a cores, a funcionar magnificamente num preto e branco contrastado e sem tons intermédios que, apesar da sua enganadora simplicidade, vinca expressões, expressa emoções, embala paixões e revela a Manaus ao longo do século XX, num conseguido jogo de luz e sombra.

Menos conseguido

- Apesar do bom trabalho editorial que a Polvo tem feito com sucessivos títulos brasileiros, a forma como dois povos que se dizem ‘irmãos’ continuam de costas voltadas, apesar da proximidade das respectivas línguas, quando o assunto é a partilha das criações de cada um deles.

Dois irmãos

Baseado na obra de Milton Hatoum

Fábio Moon e Gabriel Bá

Quadrinhos na Cia

Brasil, Março de 2015

180 x 245 mm, 232 p., pb, capa brochada

ISBN: 9788535925586

R$ 42,90