19/09/2016

A Asa Quebrada










A Asa Quebrada é o contraponto, o complemento do premiado – e excelente – A Arte de Voar. Mas, sendo inegável que estamos perante uma boa obra aos quadradinhos, isso sente-se.

Na sua passagem pela Comic Con Portugal, onde recebeu o galardão  Excelência na Edição de BD em Português de Autores Estrangeiros, exactamente por A Arte de Voar, Antonio Altarriba, o argumentista, explicou – tal como desenvolve no posfácio do presente volume - que A Asa Quebrada representava um acto de justiça para com a sua mãe, que em A Arte de Voar – relato biográfico do seu pai – era retratada (quase) apenas como uma beata frígida.
Agora, Altarriba completa, aumenta, compõe essa imagem e, começando no seu nascimento, revela muito da sua vida e das contrariedades e problemas que fizeram dela a mulher que nós (apenas parcialmente) conhecemos.
Uma mulher cujo nascimento provocou a morte da mãe – e consequente repúdio do pai - e cujo parto problemático lhe provocou uma fractura no braço esquerdo que ficou imobilizado para sempre – embora ela o tenha ocultado ao longo de toda a vida, inclusive daqueles que com ela privaram de (muito) perto! Uma mulher violada ainda na adolescência, o que explicará (em parte) o seu posterior repúdio do sexo e a entrega de (corpo e) alma à religião. Uma mulher que desde cedo teve de trabalhar – quase sempre qual escrava, sem remuneração nem gratidão - para os outros: os irmãos, o pai, um importante oficial do franquismo – numa das raras alturas da vida em que se terá sentido realizada -, o marido, o filho, as vizinhas… Uma mulher, por cujos olhos, em paralelo, Altarriba faz desfilar boa parte da História de Espanha do século passado, num retrato sociológico sólido e amplo que complementa o já traçado no volume anterior.
Mas, se, por um lado, A Asa Quebrada é um conseguido retrato de sucessivas gerações de espanhóis – mais ainda, possivelmente, de espanholas – que viveram a pobreza extrema no início do século, enfrentaram a I e a II guerra mundiais e, pelo meio, ainda sofreram as agruras da Guerra Civil do país vizinho, apagando-se por completo face a pai, irmãos, maridos, homens, por outro, terminada a leitura – já no seu decorrer – sente-se a falta do que mais impressionava em A Arte de Voar: a alma da obra, proveniente da identificação assumida com o pai, assumida pelo argumentista.
Se A arte…, sem ignorar tudo o resto, era emoção, admiração, identificação, em A Asa… falta o sentimento, falta a proximidade – mesmo que o autor o negue no posfácio -, sente-se mais a obrigação de reparar um erro do que o (real) desejo de contar a vida da mãe.
E, para mais, enquanto Antonio, pai de Altarriba, foi activo, lutador, empreendedor, entusiasmou-se, perseguiu sonhos e utopias e tentou voar – mesmo que o balanço, o seu balanço, o mostrasse como um perdedor -, no caso de Petra, a mãe, a sua vida foi de submissão, abnegação, negação e auto-esvaziamento, sem chama nem fulgor. E A Asa Quebrada retrata-o bem.
O que, no entanto, reitero, não significa desaconselhar a leitura deste livro. A fasquia é que estava demasiado alta…

A Asa Quabrada
Antonio Altarriba (argumento)
Kim (desenho)
Levoir
Portugal, 15 de Agosto de 2016
264 p., pb, capa dura
9,90 €

(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão) 

3 comentários:

  1. Caro Pedro, até agora quais são os volumes da colecção novel gráfica II que mais aconselha?

    Filipe

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    1. Caro Filipe,
      Há várias formas de responder a essa pergunta e a melhor forma é ir lendo o que tenho escrito a propósito deles.
      De qualquer forma, aqui fica uma resposta sucinta:
      Em termos de gosto pessoal, há três livros obrigatórios: Daytriper (o melhor), Presas Fáceis e O Inverno do Desenhador.
      Aconselho igualmente o V de Vingança (também pela importância histórica), A História de um rato mau (pelo tema), Fax de Sarajevo (pelo tom narrativo) e A Asa Quebrada (que deve ser lido como complemento do muito mais aconselhável A Arte de Voar, da primeira colecção).
      Historicamente, A garagem hermética e Valentina são obras importantes.
      A Dança das Andorinhas, Parque Chas e Fogos e Murmúrios têm uma componente de experimentalismo e/ou descoberta que eu acho um dos pontos fundamentais desta colecção.
      Ainda não li Os exércitos do Conquistador...
      O ideal mesmo, é ler todos e formar uma opinião pessoal!
      Boas leituras!

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    2. Obrigado pelo apanhado. É uma grande ajuda.

      Infelizmente nesta altura, o orçamento é reduzido e não posso comprar todos os volumes. Terei de seleccionar. O que é pena porque esta colecção merece!

      Felizmente, já tinha o V de Vingança e o Daytriper (também gostei bastante).

      Filipe

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