15/09/2016

Velvet #1: Antes do Crepúsculo









O que há de comum entre (este) Velvet, Jessica Jones: Alias, Fatale ou (mesmo) Saga?
[E não, não é o facto de todas terem sido editados pela G. Floy.]

Como bem vincava João Ramalho Santos há semanas no JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, a característica comum a todas estas séries é o facto de o protagonismo estar entregue a mulheres.
[A boa edição G. Floy também é característica comum, é verdade, mas menos relevante para o que hoje me interessa expor.]
Se se trata de opção editorial de Christine Meyer, sócia maioritária da G. Floy, se de alguma forma significa uma tentativa de chegar ao público feminino, ou se não passa de simples coincidência, não é muito relevante [– embora uma resposta concreta permitisse tirar algumas ilações que até poderiam ser interessantes. O mais certo, possivelmente, será um pouco de tudo, embora acredite que por detrás destas escolhas esteja em primeiro lugar a qualidade intrínseca das obras.]

Velvet (mais uma) criação de Ed Brubaker seleccionada pela G. Floy, bem secundado graficamente por Steve Epting é, basicamente, uma história de espiões, à moda de 007, mas protagonizada no feminino. A agente que dá nome à série, ganhou fama e distinguiu-se, na década que se seguiu à II Guerra Mundial como um dos melhores operativos da Arc 7, uma agência supranacional ultra-secreta, mas, no momento em que apanhamos o comboio da história, está retirada do terreno há cerca de 15 anos, desempenhando funções de secretariado desde então, por razões que não sabemos mas que o argumentista aos poucos vai/irá esclarecer.
No início da década de 1970 – período em que decorre a trama principal de uma história com sucessivos flashbacks que nos ajudam a conhecer a protagonista e nos vão desvendando o seu passado à medida que a narrativa o exige – o assassinato de um agentes e a suspeita de infiltração de um traidor na agência, fá-la voltar ao activo e retomar velhos hábitos, práticas e uma série de contactos que, de uma forma ou outra, a marcaram no período em que estava no terreno.
Aqui chegados, com a história longe (?) do final – neste volume temos apenas um terço dos 15 comics que conta – perguntarão alguns: ‘Mas faz assim tanta diferença ter uma mulher, para mais quarentona, como protagonista, em vez de um homem?’
E eu hesito na resposta. Possivelmente não, os cânones do género são os mesmos, é o que primeiro me ocorre escrever, mas a verdade é que, para além da abordagem singular, há pormenores que introduzem a tal diferença e justificam a opção autoral, mesmo que alguns, possivelmente, não mais cheguem ao leitor mais do que subconscientemente, fruto da tradição sociocultural que nos impregna. Um exemplo: quando um agente usa o corpo para seduzir e ter sexo com uma mulher para obter o que deseja, é viril e sedutor; quando os papéis se invertem, a mulher é o quê, uma prostituta?
Claro, que para além de tudo isto – que no fundo é secundário – o que se destaca é o trabalho da dupla de autores. Brubaker, mais uma vez excelente no registo de espionagem, mostra que não sabe escrever mal e constrói uma história intrincada, sólida, consistente que já deu para perceber que ainda dará muitas voltas até chegar a um desfecho que estamos longe de imaginar. E vai desenvolvendo – perante os nossos olhos – uma personagem interessante, dura, segura de si, mas saudosa do passado, apesar das sombras que com ele vêm, e a tentar superar as marcas que o tempo foi deixando em si – e também nos outros.
Quanto a Epting, seu cúmplice regular, apura o seu traço realista para dar credibilidade ao conjunto, quer na descrição de cenas quotidianas, quer nas cenas de acção, mesmo quando elas passam (quase – quase?) o limite do razoável em prol do incremento de adrenalina e de suspense.

P.S. - Se ontem abordei aqui aspectos relacionados com a criação de um mercado – manga, no caso – um aspecto nesta edição remete para o mesmo tema. A inclusão de uma página, no final do livro, a anunciar não só o segundo tomo (que deverá estar disponível em Dezembro) mas também Fatale, do mesmo argumentista, série já completa em cinco tomos e com alguns pontos de contacto com Velvet, são uma (outra) forma de informar – e seduzir – o leitor que tenha gostado do livro e/ou da escrita de Brubaker…

Velvet
Volume 1 - Antes do Crepúsculo
Ed Brubaker (argumento)
Steve Epting (desenho)
G. Floy, Portugal, Junho de 2016
175 x 260 mm, 128 p., cor, capa dura
ISBN 978-84-16510-17-7
PVP: 9,99 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

7 comentários:

  1. Simples coincidência!

    As nossas escolhas editoriais são simples: a Christine edita as histórias que gostou de ler, e por vezes, algumas que são mais comerciais e ajudam a sustentar o catálogo, mesmo que não sejam 100% da preferência dela. Mas NUNCA histórias que ela não tenha gostado de ler.

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    1. E desta forma se destrói uma longa dissertação...!
      Agora a sério, obrigado pelo rápido esclarecimento, José Freitas.
      Boas leituras... e edições!

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  2. Só se editam historias que a sócia maioritária da G. Floy gosta de ler.
    Ok... ainda bem que os Hipers não comercializam apenas os produtos que o socio maioritario gosta de ter à mesa, que as gasolineiras não comercializam apenas etc etc...
    J.Silva

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    1. Uma editora não é (ou não deve ser) gerida como um hipermercado. Watchmen não é a mesma coisa que um pacote de farinha. Comprar Velvet, Saga ou Fatale não é o mesmo que comprar um quilo de açucar, meio quilo de batatas e 6 caralhotas (não se assustem, é um pão). BD é uma arte e, como tal, é normal que as editoras (pelo menos as dedicadas em exclusivo ou quase a um género) sigam os gostos dos editores. Já pensaste que quando lês Fatale ou Velvet estás a ler algo que, provavelmente, só foi publicado porque houve um editor que gostou da proposta do Brubaker?

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    2. Quem edita, quem investe o seu dinheiro, fá-lo segundo o critério que desejar: o que gosta mais, o que acha mais comercial, o que leu na infância, as capas mais bonitas, as lombadas mais largas... Todos os critérios são válidos.
      Depois quem quer compra, quem não quer não compra.
      Os hipermercados, estão cá para ganhar dinheiro o que não tem que ser obrigatoriamente o objectivo dos editores...
      E, complementando a ideia do Eskorpiao77, livros não são batatas bem cebolas e quem os encara como tal bem fará em ficar-se só pelos hipermercados e mercearias.
      Boas leituras!

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    3. A GFloy não é uma empresa muito grande, e é gerida por pessoas que gostam de BD, e que gostam de editar as coisas de que gostam. Infelizmente, muita coisa do que gostamos está off-limits, por questões de direitos, etc... mas sobra muita coisa boa no mercado de nicho a que nos dedicámos, o de editar mainstream independente americano, e alguns títulos da Marvel. Somos solicitados TODOS os dias, mandam-nos propostas de livros para editar TODOS os dias. E obviamente, o primeiro critério que usamos para "desbastar" um pouco a escolha, é o de ler e seleccionar as coisas de que gostamos, claro! Que outro método poderíamos usar?

      Na Gfloy existem três editores (a Christine Meyer, o nosso editor polaco, o Tomek, e eu, em Portugal) e um parceiro adicional cá, o Rui Alves. E acaba aí. A GFloy é isso. Somos todos fãs de BD, e na verdade, o primeiro critério de selecção é o de gostarmos dos livros que editamos. Existem outros, e por vezes, vamos à procura deste ou daquele título da Marvel, p.ex. porque sabemos que os livros da Marvel vendem em média bastante. Claro que, em certas ocasiões, talvez preferíssemos editar outra coisa que não, p.ex. o Wolverine Origem. Mas na verdade, todos gostamos do livro, e sabemos que vai ajudar o catálogo da GFloy no geral.

      E nunca a mim me impuseram uma escolha, do estilo, "vamos editar este livro em Portugal mesmo que não gostes dele", os livros são todos discutidos entre nós. Ainda hoje a Christine me mandou dois livros para eu dar uma olhada durante o fim-de-semana. Se eu não gostar mesmo deles, não se editam mesmo que ela goste muito. Por outro lado, se eu sentir que eles gostam muito, e desde que o livro seja bom (mesmo que houvesse outro que eu preferisse ter editado), posso aceitar que ele faça.

      Mas a minha pergunta ao nosso "anónimo" seria então de saber que OUTROS critérios de selecção acha que devíamos ter, sabendo que o dinheiro e o trabalho que se investe é nosso, ou, reformulando a pergunta: será que acha mesmo que nas editoras pequenas de BD existem muitos outros critérios? Acha que a Polvo edita livros de que o Rui Brito NÃO gosta? Que a Devir edita livros de que os sócios e responsáveis NÃO gostam? Isso é para as editoras grandes. Claro que se me viessem oferecer o Astérix eu editava, mesmo que não gostasse. Mas não deve estar a dar-se bem conta em que género de campeonato é que as editoras pequenas jogam!

      E se calhar é por causa deste critério de selecção que muitos dos livros que nós editámos se editaram, porque não estou muito bem a ver algumas das séries a serem editadas por motivos que não os dos editores gostarem delas.

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  3. Uma das minhas novas series favoritas.

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