16/12/2016

Mickey Mouse: Café “Zombo”





A visita a Mickey por alguns nomes grandes da banda desenhada francófona, fica como um dos marcos deste anos de 2016.
Loisel, recém-editado, é o quarto da lista.
Quarto, depois de Cosey, Trondheim/Keramidas e Tebo, e logo à partida é surpreendente constatar que foi um projecto destes que ‘fez de novo’ de Loisel um autor completo, pois assina argumento, desenho e cor.
De seguida, verificar novamente outra das características da colecção: os belíssimos livros (enquanto objectos) que a constituem. Café “Zombo” tem papel de boa gramagem, lombada em tela, uma capa com uma textura que quase parece pele (!) num generoso formato italiano, capaz de fazer delirar muitos leitores mesmo antes de o abrir. Como me aconteceu.
Finalmente, o mais importante, a banda desenhada em si.
Também devedor de Disney, pelas bandas desenhadas que leu na sua infância, Régis Loisel decidiu homenagear o período inicial, das tiras diárias de Ub Werks/Disney e Floyd Gotfredson, optando por esse mesmo formato que se à partida limita a planificação, por outro obriga a uma narração gráfica mais apurada e desenvolvida de forma diferente. Aqui, Loisel, custa-me dizê-lo, falha um pouco, pois o relato revela-se algo desequilibrado. Por um lado – condicionado pelo número de pranchas? – há momento que deveriam ser de acção, substituídos por textos que os resumem, em especial no final que se revela algo abrupto. Depois, se em algumas sequências exibem claramente a influência dos desenhos animados Disney dos anos 30/40 (e da mãozinha de Tex Avery) pelo humor louco e o ritmo frenético, noutros arrastam a acção mais do que o necessário, emparte devido a textos excessivos.
O que não é suficiente para desaconselhar – longe disso! – a leitura de uma história em que Loisel combinou com a herança Disney – e estão lá todos: Mickey, Minnie, Pluto, Pateta, Horácio, Clarabela, Donald, Bafo-de-Onça… - um olhar crítico e quase sociológico sobre um dos períodos mais negros da história americana do último século: os anos da Grande Depressão, com o desemprego, a exploração da mão-de-obra, a alienação das massas, o boom imobiliário descontrolado ou a explosão do capitalismo, e dar-lhe um toque de actualidade com a introdução de uns (quase) zombies…
No início, é um Mickey sem emprego que, acompanhado por Horácio, circula de fila em fila, tentando arranjar que fazer para proverem o seu sustento. Sucessivamente recusados acabam por descobrir que por trás dessa recusa, estão João Bafo-de-Onça e o banqueiro Rock Fuller (que, sinal dos tempos actuais, em lugar do óbvio charuto mastiga uma salsicha… vegetariana!), que pretendem arrasar o local onde os protagonistas vivem para construir um imenso campo de golfe. Para o conseguirem a preços miseráveis, fornecem aos trabalhadores o café “Zombo” que lhes retira a vontade e os transforma nos tais zombies.
Humor, acção, aventura, golpes violentos (inspirados dos filmes, mas bem mais realistas), sujeição ao belo sexo e o que mais deixo aos leitores descobrir, compõem o enredo de uma história que pede leitura demorada, para um acompanhamento pleno e, acima de tudo, para desfrutar dela graficamente como o traço de Loisel merece.
Um traço muito pormenorizado, com imensos detalhes em segundo plano que vale a pela procurar, inspirado no Mickey arredondado dos inícios, mas deformado para o tornar – bem como às restantes personagens – mais realista (e feio) e um colorido soberbo, envelhecido, mostram, sem lugar a qualquer dúvida, como realizar uma obra destas era um sonho de criança de Losiel e como se empenhou a fundo para o concretizar.

Café “Zombo”
Colecção Créations Originales
Régis Loisel
Glénat
França, Novembro de 2016
305 x 196 mm, 80 p., cor, capa dura
19,00 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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