Memórias de um Verão
Reler a obra de Relvas, é a melhor forma de homenagear – de lembrar,
s+o – um dos maiores criadores de BD deste país.
Nesse sentido, recupero aqui um texto que escrevi no Jornal
de Notícias de 3 de Agosto de 1995 aquando do lançamento de L123 (seguido de Cevadilha Speed), pela
ASIBDP, um autêntico romance gráfico escrito e desenhado quando o conceito
(que praticamente) ainda não existia…
A primeira reacção perante a leitura deste livro pode ser a
surpresa.
Surpresa pela frescura do relato, sabendo-se os quase 20
anos [hoje quase 40…] que já têm em
cima as duas histórias de Relvas reunidas assim em livro pela Associação do
Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto (ASIBDP), poir foram
inicialmente publicadas na revista Tintin
nos já longínquos anos de 1981 e 1982, quando o autor – então com 27 anos –
dava os primeiros passos de uma carreira notável, mas quase toda ela ‘perdida’
em páginas de jornais e revistas, de difícil acesso para quem as quiser ler
hoje.
Sauda-se, por isso, esta reedição que se segue à de Karlos Starkiller feita há cerca de dois
anos pela BaleiAzul e a Bedeteca de Lisboa.
O traço de Fernando Relvas, aqui ainda muito próximo de
modelos clássicos, com realce para o bom trabalho a nível dos contrastes que o
preto e branco possibilita, com influências visíveis de Hugo Pratt e Milton
Caniff, é aprimorado pela redução dos originais, necessária devido à opção pela
edição em formato livro, seguindo um modelo cada vez mais usado no mercado
franco-belga e já com uma mão cheia de experiências entre nós.
As duas histórias em questão, apesar do tom vagamente
policial, são muito mais crónicas de uma
certa marginalidade lisboeta, bem conhecida do autor e retratada com um
realismo e um humor exemplares. Escritas ao correr da pena – desde sempre uma
das maiores virtudes (pela naturalidade e realismo que imprime à acção) e um
dos maiores defeitos (por alguns atropelos à sequência narrativa) do autor –
contam as atribulações de Eco e Cevadilha Speed, às voltas com negócios escuros
nos bairros populares lisboetas, em L123,
ou a caminho da miragem algarvia, com alemães e ‘alemoas’ pelo meio, em Cevadilha Speed.
Com mais acção e violência a primeira, com mais humor e
onirismo a segunda, possuem uma série de protagonistas fortes e credíveis, como
não há muitos na moderna BD portuguesa, de que estas duas obras são, sem
dúvida, pioneiras.
L123 (seguido de Cevadilha Speed)
Fernando Relvas
ASIBDP
Portugal, 1995
144 p., pb, capa mole com badanas
ISBN: 9789729746925
(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua
extensão)
Sem dúvida momentos altos do trabalho de Fernando Relvas que, na minha opinião, apesar de outros trabalhos de grande realce, nunca mais conseguiu atingir o brilhantismo aí demonstrado. Pena é que a sua obra não seja mais publicada e se encontre perdida por sítios menos permanentes. Um autor que merecia uma colecção com um jornal e uma (re)edição da sua obra completa.
ResponderEliminarLetrée