11/09/2018

The Fade Out


Fazer fitas





Em Hollywood fazem-se dois tipos de ‘fitas’: aquelas que são construídas para vermos projectadas no cinema, e as que se constroem para projectarem(/esconderem) as vidas dos seus protagonistas.
A história que Ed Brubaker nos conta em The Fade Out, um belíssimo guião para um eventual filme negro, faz-de do cruzamento de umas e outras, tendo como ponto de partida a morte de uma (futura) vedeta (em ascensão) e os segredos (muito) sórdidos que essa morte - e todas as vidas que de alguma forma com ela se entrecruzaram - escondem.
É uma história sem divas nem galãs - sem protagonistas impolutos - apenas com vidas perdidas - no duplo sentido do termo, as destruídas e as escondidas pelas ilusões.
Uma história ambientada nos (negros) anos 50, ainda à sombra dos traumas da Segunda Guerra Mundial e sob o espectro da contínua caça às bruxas (comunistas) pelo FBI de Edgar Hoover, em que ninguém é (só) o que parece, em que os esqueletos nos armários se multiplicam e em que todos vivem (de um lado ou de outro - ou de ambos) num microcosmos alargado em que predominam o abuso sexual, a pedofilia, o aproveitamento do corpo e o vender e comprar de sonhos raramente cumpridos, nunca na sua plenitude.
Entre figurantes reais e protagonismos construídos (mais ou menos) à sua imagem, The Fade Out é um mergulho profundo e angustiante nesse mundo que projecta glamour e ilusões ao seu redor, mas que se alimenta necrofagamente de si próprio, e que se faz de um conjunto de avanços e recuos, entre álcool, sexo e muitos segredos com ‘o rabo de fora’, com cada ida ao(s) passado(s) a alargar o número de suspeitos e a mergulhar - os protagonistas como o leitor - num ambiente, pesado e sórdido, que incomoda quase tanto quanto Brubaker nos deixa sedentos de mais e mais.
O traço realista de Sean Philips, com o contributo da paleta de cores predominantemente sombrias de Elizabeth Breitweiser, arrasta-nos para esse mundo (irreconhecível) que reconhecemos, de sonhos e contos de fadas (i)(reais), revestido (travestido…?) de uma aura de opressão, aproveitamento, exploração e destruição que nunca mais nos deixará olhar para filme nenhum com os mesmos olhos - o mesmo encantamento…

Impossível fechar esta ‘leitura’ sem uma palavra para a magnífica edição da G. Floy - um dos grandes livros deste ano, sem qualquer dúvida - de formato generoso, excelentes acabamentos e muitos extras e, principalmente, integral, pois uma história com esta qualidade, consistência e complexidade tem de (poder) ser lida de um só fôlego - um fôlego longo, exaustivo (e extenuante) de mais de um bom par de horas (muito bem) preenchidas.

The Fade Out
Ed Brukaker (argumento)
Sean Philips (desenho)
Elizabeth Breitweiser (cores)
G. Floy
Portugal, Julho de 2018
185 x 280 mm, 400 p., cor, capa dura
35,00 €

(versão integral do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Setembro de 2018; imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Comprei esta semana, já está no cimo da pilha de leitura.
    Realmente a edição está muito bonita.

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  2. Com o Fade Out no topo, a pilha vai diminuir... devido ao peso!
    A edição está muito boa, mas o livro é ainda melhor.
    Boas leituras!

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