11/02/2019

Ms. Marvel #2: Geração perdida

Não é demais repetir




Já o escrevi aqui, de forma similar, mas atrevo-me a repetir algumas das ideias, para acentuar dois factores que me parecem importantes em Ms. Marvel: a sua sintonia com este tempo e o tom leve, descontraído e divertido das suas aventuras.

São eles que fazem da actual Ms. Marvel uma das propostas recentes mais inovadoras e descomprometidas no seio do universo Marvel aos quadradinhos.
De seu verdadeiro nome Kamala Khan, é uma paquistanesa, emigrada com a família nos EUA. À sua idade adolescente, acrescentam-se, assim, as especificidades de uma cultura e de uma religião em tudo diferentes das vigentes e maioritárias na nova pátria adoptada, para mais à sombra dos traumas pós-11 de Setembro, o que por si só já daria para muitas histórias.
A exposição a uma névoa misteriosa, veio conceder-lhe o poder de aumentar ou diminuir qualquer parte do seu corpo e, como sempre, "com novos poderes... vêm novas responsabilidades" e o desejo - bem adolescente e altruísta - de ser útil e ajudar aqueles que a rodeiam.
Entre o lado iniciático da aprendizagem da utilização dos novos poderes, a convivência com a família e amigos sem revelar a nova identidade, as limitações e vantagens de quem vive nos subúrbios - Kamala habita em New Jersey - e as ameaças que mesmo lá não param de surgir, as aventuras de Ms. Marvel são descritas com bastante humor - satirizando mesmo algumas das situações típicas dos comics de super-heróis - e revelam-se em perfeita sintonia com a idade da protagonista e o tempo e a época - este, actual - em que ela vive, condicionada pelas componentes religiosas, tradicionais e comportamentais da sua família e comunidade, a par da necessidade de integração numa nova cultura, que vive balizada pela omnipresença das novas tecnologias e das redes sociais.
Com uma inocência e uma ingenuidade que evocam as origens dos super-heróis da Marvel, em especial de Peter Parker/Homem-Aranha, esta Ms. Marvel tanto tem que enfrentar crocodilos gigantes nos esgotos em - inesperada - parceria com Wolverine ou um inventor com cabeça de pássaro que pretende explorar determinadas características dos adolescentes por os considerar algo imprestável e nocivo para a sociedade, como as restrições horárias impostas pelos pais ou os (benévolos, apesar de tudo) sermões do seu xeque na mesquita.
Tudo narrado em bom ritmo, com uma linha condutora bem-humororada, algumas situações bem imaginadas e um tom adolescente ligeiro, acentuado pelo traço agradável e muito ágil quer de Jacob Wyatt, que acrescenta um toque naif nos comics que ilustrou, quer de Adrian Alphona, em ambos os casos servidos por um colorido apropriado.

Ms. Marvel: Geração perdida
G. Willow Wilson (argumento)
Jacob Wyatt e Adrian Alphona (desenho)
G. Floy
190 x 280 mm, 136 p., cor, capa dura
14,00 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; versão revista e aumentada de um texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Fevereiro de 2019)

17 comentários:

  1. Terão tomates para mostrar "sermões do xeque" estilo madrassa?

    Tenho estado a ler o "Economix" que é muito baseado/centrado na economia dos USA. E é interessante ler/ver quanto nesse livro é escrito/mostrado relativamente ao controle que as grandes corporações têm sobre a sociedade americana e as os seua pensamentos.

    E provavelmente nada representará melhor essas grandes corporações que a Disney/Marvel e a formatação de opiniões saídas desse conglomerado.

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    1. Mostrar sermões de madrassas faz tanto sentido nessa personagem como mostrar sermões do IRA numa história do Daredevil.

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    2. Os 'sermões' referidos no texto devem ser entendidos como 'chamadas de atenção? do xeque à Kamala...
      Boas leituras!

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    3. Não querendo entrar em discussões religiosas, se são apenas 'chamadas de atenção', tanta fazia a rapariga/personagem ser muçulmana, evangélica, católica ou (.....) coloquem aqui a vossa religião preferida....

      Se foram criar uma personagem muçulmana e fizeram tanto cagaçal sobre isso, deviam aplicar algum "actual código genético muçulmano", nomeadamente partes religiosas exclusivas da religião em si.

      Atenção que é de referir que não conheço a personagem a não ser pelo que leio de alguns comentários (como este do Pedro). Pelo que possivelmente isso talvez já esteja a ser feito. Não faço a mínima...

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    4. "...Não querendo entrar em discussões religiosas, se são apenas 'chamadas de atenção', tanta fazia a rapariga/personagem ser muçulmana, evangélica, católica ou (.....) coloquem aqui a vossa religião preferida....

      Se foram criar uma personagem muçulmana e fizeram tanto cagaçal sobre isso, deviam aplicar algum "actual código genético muçulmano", nomeadamente partes religiosas exclusivas da religião em si...."

      Se tanto faz qual a religião, católica, muçulmana, evangélica, então porque não muçulmana? E a pergunta sobre o "código genético muçulmano" parece-me enfermar de alguma "islamofobia" (se não for o caso, as minhas desculpas), isto é, talvez não estar ciente das práticas da vasta maioria de muçulmanos no mundo, e em particular nos EUA.

      É verdade que com não muitas mudanças, quase a mesma história poderia ser contada de uma adolescente filha de pais fundamentalistas cristãos severos, mas a utilização de uma adolescente asiática também serve para chamar a atenção sobre a grande comunidade muçulmana de Nova Jérsia, e a diversidade étnica desta zona dos EUA. Mais, é facilmente argumentável que as "desvantagens" e restrições que uma adolescente muçulmana é obrigada a viver no dia a dia são um paralelo interessante e rico de possibilidades com os problemas que um geek como o Peter Parker vivia nos anos 60, e são de facto uma das coisas que faz o charme desta BD.

      De notar que a autora, G. Willow Wilson, é uma convertida ao Islão.

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    5. Relativamente ao "código genético", coloquei a palavra "actual" antes do termo em questão.
      Não sou islamofóbico. Sou religiofóbico.

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    6. OK, mas então tanto faz, certo? Quer os pais fossem imigrantes sicilianos a chatearem a miúda, quer sejam imigrantes muçulmanos, tanto fariaa, seria a mesma coisa. E nesse caso, porque não muçulmanos? O livro tem coisas com muita piada, p.ex. a dinâmica entre o pai (relativamente mais tolerante e "liassez-faire" e a mãe mais severa, tradicionalista, mas um pouco por medo dos familiares e amigos a julgarem), a figura do irmão, que passa a vida a rezar e a fazer sermões e que quase parece "borderline" wahabita fanático (e o pai passa a vida a gozá-lo, porque o irmão não trabalha, não faz nada de produtivo), a maneira como o imã muda, e deixa de ser uma personagem só negativa e chata no volume 1, para passar a ser uma personagem mais complexa, e com mais bom senso, etc... na minha opinião está tudo bastante bem escrito.

      E sobretudo, não é "in your face", esses conflitos religiosos e civilizacionais não são o centro da história - são sempre vistos pelo prisma de uma adolescente que se sente incompreendida (e q o seria mesmo que os pais fossem católicos ou ateus), e o lado religioso é muito atenuado por isso. E claro, é sobretudo uma história de super-heróis, com capítulos inteiros em que nem se vêem os pais ou o imã, eclipsados pelo Wolverine e pelo vilão e por crocodilos gigantes.

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    7. Como referi, não conheço a personagem e também como já referi em alguns outros post, não sou grande leitor de comics (leia-se S.H.).

      Se pensarmos apenas em BD, faz sentido o que o JF refere. Ser uma jovem adolescente com os seus probelmas. Mas a mim faz-me uma certa espécie que o conglomerado Disney/Marvel/LucasFilm/ABC Televison, crie uma nova personagem 'muçulmana' e daí a minha 'pergunta inicial' se teriam tomates para fazer uma 'verdadeira' personagem muçulmana 'actual'?

      Não vale a pena estarmos com paninhos quentes e politicamente correctos. O actual islão é radical e muito proselitista. Não vou para o terrorismo, mas vou para França, Bélgica, Holanda e o tentar forçar o uso do burkini em praias e o uso do lenço em escolas. Meros exemplos de tentativa de impor as suas regras em culturas completamente diferentes.

      Entretanto, peço desculpa ao Pedro pela conversa, que aparentemente se está a desviar da BD. E digo aparentemente, porque sendo uma BD com uma personagem 'muçulmana', na minha opinião, o que refiro acima faz sentido nesta BD

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    8. Eu diria que muitas vezes o "conglomerado Disney/Marvel/LucasFilm/ABC Television" não é metido nem achado na criação das personagens, é uma decisão da redacção e grupo de editores da Marvel.

      Quanto ao Islão actual... é muito diverso. E digo-o em conehcedor de causa. O meu mestre de kungfu na China, p.ex. é muçulmano e pertence a uma minoria (os Hui) qu nunca tiveram grandes problemas nem são radicais ou proselitistas. A minha namorada vive em Bruxelas, onde vou com regularidade (a cada dois meses?) e vejo muitos muçulmanos lá, e no geral, diria que a maioria deles são pessoas normalíssimas. Não sou fã do Islão, tal como não sou do Catolicismo ou do Judaísmo. Mas diria que, existem diferenças radicais entre Xiismo e Sunismo, entre Islão místico (Sufis, pe.x.) ou legalista (Wahabistas ou salafistas) e assim por diante. Taç como você não acho bem tentar impor as suas regras numa sociedade que nos acolheu, ou como imigrantes ou como refugiados, mas diria que a grande maioria dos muçulmanos que vivem em França ou na Bélgica não querem impor nada a ninguém. Como sempre, o problema somos... nós. Não eles. Compete-nos a nós quebrar este espartilho de auto-culpabilidade e de politicamente correcto que nos faz olhar para os muçulmanos como se fôssemos nós num espelho.

      Acrescentaria que não haveria NENHUM radicalismo ou terrorismo muçulmano se não fosse a ingerência de décadas das potências Ocidentais na vida das sociedades muçulmanas, onde parece que nunca vimos uma nação laica e progressista muçulmana que não tenhamos imediatamente querido destruir.

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    9. Pedro, elimina este post se achares que não se enquadra no blog.

      Relativamente a "paninhos quentes" e "politicamente correcto", convém não esquecer a origem de muita da BD Comics americana e a respectiva formatação cultural daí advinda.

      "(...) The answer to the question, “What companies are owned by Disney?” is going to change drastically in the next few years as more media corporations gobble each other up. Will we end up with three huge media companies, or two, or one? Will we have one mega-conglomerate of everything creative being controlled by Disney? Will the owners still remember that it all began with a mouse? (...)"

      https://www.titlemax.com/discovery-center/money-finance/companies-disney-owns-worldwide/

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Gosto quando a banda desenhada suscita outras discussões.
    É óbvio que uma história semelhante poderia ser contada se a nova Ms. Marvel tivesse outra nacionalidade, não muçulmana.
    Esta origem, confere-lhe uma actualidade, uma nota polémica e um mediatismo que a Marvel obviamente agradece.
    E, evidentemente, que tudo fica por uma abordagem superficial e limitada, para não se tornar 'demasiado' polémica ou 'politicamente incorrecta'...
    Boas leituras

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    1. Só duas notas:
      * Nacionalidade Paquistanesa e religião Muçulmana
      * A Marvel não agradece; a Marvel criou a personagem exactamente pelo mediatismo e (à partida), pelas vendas daí derivadas

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    2. Não, a Disney teve zero de interferência na criação da Ms. Marvel moderna. Ela nasceu de uma conversa entre a editora Sana Amanat, que é ela própria muçulmana e de origem paquistanesa, em que ela comentou episódios divertidos (e outros não tão divertidos) da sua adolescência a crescer em Nova Jérsia como membro duma minoria, e vários autores e editores da Marvel nessa reunião acharam que aquilo dava uma óptima base para uma personagem adolescente. A ideia de uma nova Ms. Marvel nasceu logo ali, e inclusive, mesmo antes sequer de arranjarem um(a) escritor(a) para a série, entusiasmaram-se com a ideia e encomendaram ao artista britânico Jamie McKelvie (conhecido dos leitores portugueses como o desenhador da série The Wicked + The Divine) uma série de desenhos conceptuais, de que gostaram tanto que serviram de guia para o desenhador da série, e definiram o fato da heroína. A escritora G. Willow Wilson era uma das escritoras que estava nessas reuniões, e sendo muçulmana (convertida) e conhecedora da cultura e da religião, quase que implorou para ser ela a escrever a série.

      Por isso, embora a Marvel tenha abraçado a ideia de uma super-heroína duma minoria étnica e religiosa, pelos motivos óbvios, a verdade é que a Disney não teve nada a ver com isso e a sua criação nasceu exclusivamente de decisões editoriais da equipe que supervisiona as histórias da Marvel.

      Há uma TedTalk gira da Sana Amanat sobre a criação da Kamala Khan.

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    3. Acredito e aceito que tenha nascido assim.

      Mas a leitura do Economix e da série Largo Winch, deixa-me muito de pé atrás relativamente à "bondade" e "simplicidade" do nascimento de uma personagem muçulmana, obviamente aculturada à cultura USA/Ocidental, no momento/altura em que esta é mais "necessária".

      Na verdade, tal como acho cretino ver um extraterrestre e uma deusa grega a defender o american way of life...

      Ou uma organização supostamente supragovernamental (Shield) a responder ao presidente dos USA e ninguém a achar isso estranho.

      Poderá naturalmente parecer que estou a albergar 'teorias da conspiração', mas acham mesmo que se os autores nao fossem também aculturadamente dos USA, a personagem muçulmana não seria profundamente diferente?
      E se fosse assim tão diferente, alguma vez o conglomerado em questão (bastião da cultura americana) alguma vez autorizaria a sua criação?

      Há uma coisa que gostaria de relevar. Uma personagem dos comics, derivado a pertencer a uma determinada religião, poder porporcinar uma troca de ideias sem parvoices de FlameWars.

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    4. Bom, eu não falei de "bondade" ou de "simplicidade" na criação da personagem, e até disse que acho que a ideia foi bem aceite por muitos outros motivos (que eu acho que foram essencialmente de marketing e publicidade nestes tempos de politicamente correcto e de louvor às minorias e diversidades, e não necessariamente mediadas por alguma outra "conspiração" com motivos políticos ou outros).

      E acrescentaria: a própria personagem é ela mesma "obviamente aculturada à cultura USA/Ocidental", e essa é uma parte importante dos conflitos e tensões que se geram no comic (entre ela e o irmão ou os pais ou a comunidade muçulmana de Nova Jérsia), ou seja, parece-me óbvio que a personagem é mais "Willow Wilson" ou "Sana Amanat" do que uma adolescente paquistanesa. Ela é propriamente americano-paquistanesa, claramente mais americana do que paquistanesa, e o comic QUER que ela seja assim.

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  4. Eu percebo as perspectivas de todos os envolvidos e que os comics são um espelho dos padrões actuais e que sim estão mais activos politicamente do que no passado.

    Isto nem é novidade na BD fora do mainstream, ainda antes de pertencer à Disney a Marvel tinha uma faceta conciliadora "we are the world" que não julga ninguém e faz juízos de moral conforme os actos dos personagens (que nem sempre são preto no branco, aceita-se que existam zonas cinzentas), sempre teve um cunho moralista, alguém se lembra do Silver Surfer pelas mãos de Stan Lee e Jack Kirby ou John Buscema nos anos 70? ou do Captain America de Roger Stern e J. M. de Matteis nos anos 80?

    Existem todo o tipo de muçulmanos, ateus e católicos, e todos os grupos teem os seus fundamentalistas.

    Este comic é dirigido a gente jovem e tem um cheirinho "anti-bigotry" ao estilo do Stan Lee além de ter sido concebido num estilo leve e cómico, na minha opinião podia ser muçulmana ou wiccan, até nem precisava de ser a Ms. Marvel, no fundo trata-se apenas de historias de uma adolescente com dores de crescimento.

    Posso apreciar sem gostar, não é o meu tipo de leitura, e só facto de ter os poderes do homem-elástico me coloca de pé atrás mas é engraçado e parece-me que está fora do cannon oficial, como a squirrel-girl.









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