23/09/2019

Tangerina

Surpresa. Dupla.






Ser surpreendido, continua a ser um dos prazeres que a leitura [de BD] me provoca. Depois da agradável surpresa que foi No caderno da Tangerina, Rita Alfaiate volta a surpreender[-me] com uma história cujos ecos que me tinham chegado primavam pela dissemelhança de opiniões.
[Conselho: (re)leiam No caderno da Tangerina antes de se embrenharem na descoberta de Tangerina. Acreditem que fará toda a diferença.]
Aquela, era a história de Spike e Tangerina, dois adolescentes claramente desadaptados numa sociedade que prima pelo desejo de normalização global, assente na interação difícil entre ambos, nos segredos que escondiam e nos monstros que os atormentavam. Narrativa aberta, com interpretação livre deixada a cargo do leitor, revelou-se uma das boas surpresas da (jovens) BD nacional no ano passado.
Dividido entre a boa impressão - e as consequentes altas expectativas - e os ecos díspares, abri Tangerina com algum receio e a primeira constatação foi que o desenho, se perdeu alguma da ingenuidade sedutora que apresentava antes, fruto do ganho de maturidade que um segundo livro - e algumas curtas - proporciona(m), tornou-se mais seguro e há um melhor e mais proporcional preenchimento das vinhetas, de onde desapareceram os fundos vazios que se multiplicavam na obra original, No caderno da Tangerina. A par disso, mantém a mesma agilidade e uma planificação variada e dinâmica.
De seguida, surgiu uma impressão de estranheza, de déjá vu, pois as cenas iniciais eram as mesmas do livro anterior. Uma comparação entre pranchas, permitiu descobrir rapidamente o ‘segredo’: as cenas eram as mesmas, mudava o protagonista - que alterna entre Spike e Tangerina - ou seja, a mesma história é agora contada de um ponto de vista diferente. O que no primeiro livro víramos pelos olhos dele, agora é-nos apresentado por ela.
Se é verdade que esta opção de Rita Alfaiate acabará por anular a liberdade interpretativa que o primeiro livro concedia, a maneira bem conseguida como ela preenche os hiatos existentes e desvenda os segredos que permaneciam ocultos na primeira parte, contando uma outra história com (praticamente) as mesmas premissas, tornam este díptico uma leitura estimulante, interessante e aconselhável.

Tangerina
Rita Alfaiate
Escorpião Azul
Portugal, Maio de 2019
160 x 230 mm, 80 p., pb, capa mole com badanas
11,50 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

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