28/10/2019

Astérix: A filha de Vercingétorix

No rumo certo


Resumo
Adrenalina, a filha do grande chefe gaulês Vercingétorix, é entregue ao cuidado da aldeia de Astérix, Obélix e dos restantes gauleses, pois é perseguida pelos romanos que a querem raptar e romanizar e impedir que o torque - uma espécie de colar - que herdou do pai, seja utilizado como símbolo pela resistência.
Mas a tarefa não será fácil, pois a jovem possui a inquietude, a revolta e a vontade de contrariar própria dos adolescentes.
Contexto
[A partir daqui são feitas algumas revelações, em meu entender ligeiras. sobre a história, mas que alguns poderão preferir evitar.]
Tendo recebido em 2012 a difícil tarefa de recuperar a herança de Goscinny e fazer esquecer o período menos feliz em que Uderzo assumiu sozinho os destinos de Astérix, Ferri e Conrad, ao quarto álbum, revelam já um grande à-vontade com as personagens e as situações, conseguindo renovar e modernizar sem renegarem nem questionarem o passado da personagem.
A filha de Vercingétorix”, o 38.º álbum das aventuras de Astérix lançado no passado dia 24, é mais uma aventura ambientada na aldeia gaulesa ‘que tão bem conhecemos’, marcada pela chegada da filha do grande chefe gaulês, perseguida pelos romanos e por um traidor gaulês.
Parece-me óbvio - com as naturais excepções - que os álbuns ‘caseiros’, graças ao decurso da acção num espaço (relativamente) fechado e bem conhecido dos leitores, permitem uma melhor exploração das situações e das personagens menos conhecidas, o que lhes confere uma maior consistência, o que nem sempre acontece nas narrativas ‘em curso de viagem’ que obrigam a uma mais rápida exploração de gags e uma vista de olhos contínua mas mais apressada pelos diferentes cenários de passagem.
Isto permite, por exemplo, no presente álbum, um protagonismo mais alargado dos piratas, a apresentação e participação relevante de dois adolescentes locais (bem escolhidos como) filhos do ferreiro e do peixeiro, e um vilão, o traidor Maniacossérix, muito conseguido e bem caracterizado.
Estes protagonismos inesperados tornam-se mais pertinentes pela (quase) total ausência de Panoramix e do próprio Matasétix e pelo relegar de Astérix e Obélix a papéis (quase) secundários, numa história completamente centrada em Adrenalina e na sua vontade de libertação do peso da responsabilidade que o nome do pai lhe traz.
O ar de modernidade atrás referido é assegurado pelos valores importantes - e ‘da moda’ - que os adolescentes defendem - alimentação saudável, recusa de carne, cuidados com o peso - bem inseridos no contexto da série, surgindo como senão - porque datada e ultrapassada - a discussão vestido/calças entre Adrenalina e a mulher do chefe e, principalmente, a resolução da situação do jovem de uma forma tão tradicional, deslocada de todo o contexto.
Embora penalizadores, estes dois aspectos não questionam uma história bem ligada, muito consistente e ritmada, em que, se é verdade que poderíamos desejar aqui e ali um pouco mais de transgressão e/ou provocação, se multiplicam os trocadilhos - bem conseguidos também na versão portuguesa - as referências culturais - Aznavour, Lennon… - ou à própria série - veja-se o aproveitamento da rendição de Vercngetorix, ‘herdada’ de Astérix, o gaulês - e os gags em continuidade antigos - como a rivalidade entre Ordemalfabetix e Eautomatix ou a relação dos gauleses com os piratas - ou de ocasião - como o lema gritado das forças da resistência - que proporcionam uma primeira leitura muito divertida e aconselham uma revisão, mais atenta aos (muitos) pormenores.

A reter
- A consistência da história.
- A boa caracterização das novas personagens.
- Os diversos níveis de humor que o álbum apresenta.
- O traço de Conrad, solto, fluído, expressivo, recheado de piscares de olho nos fundos e nas composições de página, completamente à vontade com os gauleses e finalmente libertado do peso da herança de Uderzo, sem nunca a desrespeitar.
- A boa versão portuguesa.
- O acompanhamento pela edição da ASA - como aliás é habitual - do lançamento mundial, com uma respeitável tiragem de 50 mil exemplares.
- A vinda a Portugal, de novo, de Ferry e Conrad para promoção do álbum junto da imprensa. Fica a faltar um regresso para se encontrarem com os leitores…

Menos conseguido
- O final forçado, como referido acima.
- A forma como alguns quiseram forçar semelhanças entre Adrenalina e Greta Thurnberg - o que até não deixa de ser elogioso para Astérix.
- Pessoalmente não sou grande apreciador da capa, que me parece demasiado vaga, para lá da evidente e justificada presença destacada de Adrenalina, que é tão só a quarta personagem feminina a ter este privilégio em 38 álbuns.

Astérix: A filha de Vercingétorix
Jean-Yves Ferri (argumento)
Didier Conrad (desenho)
ASA
Portugal, 24 de Outubro de 2019
298 x 226 mm, 48 p., cor, capa dura
10,90 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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