Há
uma ano, sensivelmente, escrevia aqui que “A
melhor expressão para classificar este álbum [O
Vale dos Imortais, tomo 1]
é (...):
puro Jacobs. Para o bem e para o mal”.
O
que faz com que, após a leitura deste tomo, que encerra o díptico,
me sinta traído. Profundamente.
Relembro o contexto: numa narrativa que
parte das últimas pranchas do
tríptico O Segredo do Espadão,
a aventura original dos heróis criados por Edgar Pierre Jacobs,
datado de 1946, Yves Sente, Teun
Berserik e Peter Van Dongen colocavam Blake
e Mortimer face a uma nova ameaça surgida no coração da China, que
tinha como base a descoberta
de pergaminhos milenares capazes de alterar a História do território
e influenciar decisivamente o seu curso na actualidade (de então).
O milésimo braço do Mekong,
naturalmente, mantém a mesma linha do tomo inicial: uma mimetização
bem conseguida do estilo Jacobs, na utilização excessiva e
repetitiva de
textos de apoio, no desenvolvimento de uma narrativa muito
consistente e pormenorizada, que vai
acompanhando
tanto a acção dos protagonistas no presente, quanto o desvendar de
um segredo da História antiga da China, uma planificação densa,
com quatro e às vezes (quase) cinco tiras por página, um desenho
que (muitas vezes) parece saído do estirador do mestre - embora aqui
e ali haja alguns deslizes gráficos na perda de volume ou na
deformação
involuntária das personagens.
Nada
disto, no entanto - pensa o (meu) leitor - justifica a forte palavra
‘traição’ que sub-titula este texto, o que é verdade. Traição,
acrescento agora, ao espírito que sempre geriu as narrativas de
Jacobs - e, diga-se em abono da verdade e como justificação
adicional para o epíteto que eu escolhi, também esteve na base das
sucessivas retomas que
essa
mesma obra tem tido.
Um
espírito que, pese a forte componente de antecipação científica
que Jacobs imprimiu às suas aventuras de Blake e Mortimer, sempre as
manteve dentro de um forte realismo - sendo a única excepção,
provavelmente, a componente mística - compreensível - de O
Mistério da Grande Pirâmide.
O grande
problema de O milésimo
braço do Mekong,
digo
eu, é a deturpação desse espírito, a sua negação mesmo, com a
solução escolhida por Sente para a resolução do imbróglio em que
mergulhou desta vez Blake, Mortimer e (principalmente) Nasir.
[E embora não vá adiantar nada que
os autores não tenham já revelado, aconselho que pensem duas vezes
antes de continuarem a leitura deste texto, porque poderão intuir o
que já é evidente e perceber
onde eu quero chegar…]
Uma
solução que a capa - bastante fraca e infeliz, diga-se de passagem (não sendo a exclusiva da FNAC, com Olrik, muito superior) - revela e que passa pela convivência de Mortimer com seres e
conceitos que dificilmente combinam com a sua herança de décadas.
Um pouco à imagem - com todas as diferenças evidentes e os que
continuaram a leitura não tirem daqui qualquer conclusão - com o
que fez Uderzo quando inseriu extraterrestres em Astérix:
Céu cai-lhe em cima da cabeça...
Principalmente
por
isto, o reencontro feliz com o ‘mais puro Jacobs’ que nos foi
dado até
agora após
a morte do criador do fleumático Blake e do impulsivo Mortimer,
redunda
numa profunda desilusão, a que será curial acrescentar o facto de o
confronto latente ao longo dos dois álbuns entre os dois britânicos
e o vilão Olrik nunca beneficiar de uma confrontação directa, o
que esvazia em muito a importância do papel deste último, uma vez
que o relato termina sem que os protagonistas saibam quem
defrontaram…
E,
a talho de foice, o mesmo poderá ser dito em relação à inclusão
de duas mulheres em papéis de alguma relevância, uma vez que eles
poderiam igualmente ter sido desempenhados por homens sem que isso de
nenhuma forma afectasse o desenrolar dos acontecimentos - o que,
deixem-me acrescentar - tornaria mais ‘puro’ o ‘puro Jacobs’
que os autores nos trouxeram.
O
Vale dos Imortais II
- O milésimo braço do
Mekong
As
aventuras de Blake e Mortimer segundo as personagens de Edgar P.
Jacobs
Yves
Sente (argumento)
Teun
Berserik e Peter Van Dongen (desenho)
Edições
ASA
Portugal,
22
de Novembro de 2019
235
x 310 mm, 56
p., cor, capa dura
15,90
€
Senti o mesmo aquando do último Indiana Jones (Caveira de Cristal), aquele final com os aliens foi WTF ao máximo e não tinha cabimento no histórico do personagem, a faceta sobrenatural sim, podiam ter levado a trama para o lado da conspiração humana com uns pózinhos de sobrenatural vindo da antiguidades mas não aliens que ressuscitam quando lhes voltam a colocar a cabeça.
ResponderEliminarIsto também de certa maneira estragou o Abismo do James Cameron, aquela 3ª parte final foi mesmo saída do Encontros Imediatos do 3º grau, o problema é que este filme e outros já tinham sido feitos e com melhor resultado.
Uma das séries que queria comprar mas não consigo encontrar os volumes inicias
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