07/02/2020

Bruno Brazil: Black Program

Regresso nostálgico


Resumo
Primeiro volume de As Novas Aventuras de Bruno Brazil, Black Program leva-nos a reencontrar os membros (sobreviventes) da Brigada Caimão, poucos meses após o desastre de Quite ou double pour Alak 6, empenhados em ultrapassar os acontecimentos traumáticos e com uma tripla missão em mãos: capturar o assassino do ex-inimigo público n.º 1, descobrir os responsáveis pela fuga de uma prisão de alta segurança de Rebelle, a sua inimiga de sempre, e encontrar um génio desaparecido misteriosamente.

Contextualização
Bruno Brazil foi criado por Michel Greg - sob o pseudónimo de Louis Albert - e William Vance, em 1967, para a revista belga Tintin. Émulo desenhado de James Bond, que então fazia furor no cinema (e nos romances de Ian Fleming), foi uma lufada de ar fresco na época.
Primeiro a solo, depois como líder da Brigada Caimão, com o tempo as suas aventuras foram crescendo - em qualidade narrativa e temática. E marcariam gerações de leitores quando os seus criadores decidiram, na sua fase final, matar, literalmente, alguns dos protagonistas, algo impensável na época.
As suas aventuras durariam uma década e 10 álbuns, maioritariamente em pré-publicação na citada revista, bem como um álbum ‘póstumo’, quase duas décadas mais tarde.
No nosso país, foram dadas à luz nas páginas do título homónimo, tendo a Bertrand editado os álbuns #5, #6 e #7 da série: A noite dos chacais, Sarabanda em Sacramento e Batalha no arrozal. Existe ainda uma aventura curta nas páginas da Selecções Tintin #2: Retro.

Bruno Brazil e eu
Li Bruno Brazil na altura certa: a adolescência. A altura certa para vibrar com as suas aventuras e para sofrer, estupefacto, com a morte de alguns dos seus protagonistas. Se possivelmente li algumas das histórias na revista Tintin, o primeiro grande choque surgiu(-me) no díptico A noite dos chacais/Sarabanda em Sacramento pela violência (in)contida, pelo dinamismo do traço, o arrojo da planificação e um argumento assertivo que gritava aos quatro ventos que os fins justificam os meios. As leituras posteriores - menos empolgantes - levar-me-iam, no entanto, ao chocante e emotivo Quite ou double pour Alak 6, o tal em que morrem (mais) dois dos protagonistas e outros dois ficam aleijados.
A releitura recente da série, nos três integrais franceses da Le Lombard, mostraram-me de forma marcante como quase toda a série é datada, sendo que as suas principais notas distintivas - a violência, a planificação, as mortes… - são hoje em dia (mais) comuns.

Desenvolvimento
Recentemente, alguém escrevia que a retoma de um herói/série [no âmbito do mercado franco-belga] só fazia sentido se esse regresso trouxesse algo de novo.
[Obviamente, estes regressos, cada vez mais frequentes, fazem também - e antes do mais . sentido financeira e mediaticamente, no alimentar da nostalgia de gerações que assim regressam a um tempo em que foram felizes; por isso, são (quase todos) sucessos de vendas.]
Partindo daquele pressuposto, cabe perguntar: o que traz Black Program de novo a Bruno Brazil?
A resposta é dupla: um agravar das tensões entre os seus membros, natural dado os momentos traumáticos que partilharam e as sequelas - físicas e psicológicas que eles deixaram; um alhear do protagonista - da realidade e da vida familiar (sim, Bruno Brazil foi um dos raros heróis de BD a contrair matrimónio!) - perante a incompreensão da esposa e a revolta juvenil de Maï (que revela um crescimento acelerado em relação ao que dele conhecíamos…).
À parte isto, Aymond e Bollée foram capazes - para o bem e para o mal… - de continuar - em termos cronológicos, temporais e temáticos - a série a partir do ponto em que tinha sido abandonada por Greg e Vance. Com um senão, de peso, o facto de aquilo que na época funcionava como antecipação, soar hoje, neste regresso aos anos 70, sem o rigor do retrato histórico - que não é pretendido - estranho pela utilização de uma parafernália então inexistente e pela exploração de temáticas ainda (hoje) desconhecidas. [Tal como acontece, por exemplo, com a maioria dos álbuns de Blake & Mortimet pós-Jacobs...]
A favor dos autores, diga-se que pegam de forma coerente nos últimos acontecimentos da série, retomam algumas personagens ‘secundárias’ (Rebelle, Ottoman, Gina, Maï…) como se entre a aventura anterior e esta se tivessem escoado apenas algumas semanas e não os mais de 40 anos que (muitos) pudemos contar.
Quanto ao tratamento dos protagonistas, Brazil - por tudo o que passou - apresenta as principais notas distintivas, tendo-se tornado menos ‘herói’ e mais ‘humano’, numa clara modernização e actualização. Em sentido contrário, surge Nomade, cuja chamada para a nova Brigada Caimão soa de todo despropositada face ao contexto em que Brazil e Gaúcho o (re)encontram.
A construção do relato é competente, a introdução de uma cena presente, suspensa no tempo de um demorado flashback para actualização dos leitores funciona bem, a sucessiva interacção entre os diferentes casos em jogo surge de forma natural - com os descontos óbvios a uma série de acção e aventura - e as principais características impressas no ADN da série por Greg continuam activas: acção trepidante - embora o ritmo seja inferior ao do original - e violência (por vezes quase gratuita).
Graficamente, o traço de Aymond é uma agradável surpresa, revelando-se mais solto e actual que o de Vance, embora lhe falte, é verdade, o arrojo da planificação que era imagem de marca do Brazil original. Em termos das personagens, se o tratamento que dá a Brazil é penoso, demasiado preso - e ao mesmo tempo afastado - do modelo original, tornando-o irreconhecível, já Gaúcho Morales, o Coronel L e Whip Rafale são os mesmos com que tantos leitores sonharam...
...assim com o esta continuação, que certamente cumprirá o papel de alimento da nostalgia a que está votada.

A reter
- Depois de construir um catálogo - já com alguma consistência - com obras de carácter (aparentemente) mais didáctico, a Gradiva aposta alto na nova fase de uma série mítica para gerações de leitores.
- Bollée oferece aos leitores nostálgicos algo muito próximo do que eles querem descobrir. Sem surpreender especialmente, mas também sem se desviar de forma marcante do original. Cumpre, afinal, os requisitos contratuais...
- Não sendo Vance, Aymond surge como uma agradável surpresa. Com o traço mais solto - Vance evoluiria muito depois de Bruno Brazil - e mais moderno, cumpre o que o argumento expõe, com o senão de raramente fugir aos limites das vinhetas, como algumas cenas pediam.

Menos conseguido
- Escrevo acima que a maioria das aventuras de Bruno Brazil me parecem hoje datadas. Também aqui, Black Program mantém a fidelidade ao original. Infelizmente.
- O fim abrupto do volume, que quase dá a sensação que só no final da última página os autores perceberam que era a última.
- O visual de Bruno Brazil...
- Inadmissível é o mínimo que se pode dizer acerca da legendagem da Gradiva - que está longe de ser uma editora inexperiente na edição de BD. Aparentemente a fonte é a original, mas os textos foram escritos com o ‘caps lock’ activo e os ‘N’ saíram invertidos e os ‘I’ com os tracinhos em cima e em baixo. Se estes últimos ainda passavam, a inversão dos ‘N’ torna a leitura incómoda e, nalguns casos, até difícil. Se o erro pode acontecer - aconteceu, afinal - não pode, de forma alguma, passar. O legendador estava a dormir e o revisor não fez o seu trabalho.
 
Alguém escreveu nos comentários da notícia do lançamento, que um livro assim não pode sair de uma gráfica. Mas não, um livro assim, não pode ENTRAR numa gráfica.
Se todos os erros são penalizadores, não sei até que ponto um desta dimensão não se pode repercutir de forma sensível nas vendas e transmitir à editora uma imagem errada sobre o potencial da (grande) aposta feita.

Black Program
As Novas Aventuras de Bruno Brazil #1
Laurent-Frédéric Bollée (argumento)
Phylippe Aymond (desenho)
Gradiva
Portugal, 4 de Fevereiro de 2020
235 x 312 mm, 60 p., cor, capa dura
16,50

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. Boa tarde, será que algum dia vamos ter a publicação de todos os álbuns históricos de Bruno Brazil? Nem que seja nos habituais integrais. Obrigado e abraço.

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  2. Boa tarde, saúdo a publicação do espectacular Bruno Brazil, mas estou de acordo com o Paulo S. Saudações

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    1. A publicação de As novas aventuras de Bruno Brazil poderá ser um primeiro passo nesse sentido. Como sempre, tudo dependerá da reacção dos leitores...
      Boas leituras!

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