Ms. Marvel #3 e #4

 

Mais uma

“Mais uma” - escrevi acima - série completa em Portugal: Ms. Marvel.

Mais uma - não por acaso, mas também não obrigatoriamente - série editada integralmente pela G. Floy.

Mas não é só por isso - embora também - que hoje trago uma banda desenhada que, na sua essência, bebe nos quadradinhos de super-heróis dos anos 1960 aspectos determinantes que tantas vezes esquecemos: identifica-se com o seu público-alvo, ao mesmo tempo que distrai e diverte.

Volto ao primeiro pressuposto: completar uma série de BD no nosso país é cada vez menos notícia, embora eu ache que continua a ser importante noticiá-lo. Sejam quatro volumes - como é o caso - ou 10, 15 ou 20. Porque acontecer - e sabê-lo - reforça a credibilidade das editoras e a confiança dos leitores. E potencia que haja mais edições.

Os que (já) compra(ra)m Ms. Marvel, estão de parabéns. Foi graças a eles que a G. Floy pôde editar os seus quatro tomos. Os outros, podem fazê-lo agora de uma só vez, com a certeza que terão a história completa - (também) por causa deles, nem sempre foi/será possível…

Escrevi de forma consciente o parágrafo acima, mas reconheço, claro, que esta não é uma banda desenhada para todos os leitores - felizmente, cada vez menos a BD editada em Portugal é ‘para todos os leitores’; porque as edições se multiplicam (para lá da capacidade de esticar os orçamentos) e porque a variedade temática afasta alguns leitores, ao mesmo tempo que atrai outros.

Ms. Marvel não é uma banda desenhada para todos, desde logo porque é de super-heróis e (ainda) há - cada vez menos? - quem faça distinção de género (temático). Problema deles.

Também não é - poderá não ser - uma banda desenhada para todos, pelo seu tom claramente adolescente. É a estes últimos que se destina em primeiro lugar, mais ainda para ‘AS’ adolescentes que facilmente se identificarão com os problemas que afectam a (também) adolescente Kamala Khan: a escola, os namoros (ou não), as amizades, o corpo em mudança (mais ainda quando se tem super-poderes), a incompreensão - mais aparente do que real, como na vida - dos pais, a relação tumultuosa com o irmão mais velho, as limitações (e privilégios) da vida nos subúrbios... Tudo agravado pelo facto de ser uma jovem paquistanesa de uma família tradicionalista, na sociedade (nem sempre) liberal norte-americana.

Mas - e este ‘mas’ deve ter muita força - é uma banda desenhada para todos os que procuram uma leitura leve e divertida - muito bem feita, ao nível da escrita, das situações, da credibilidade dos diálogos, da arte - que proporcione uma boa distracção.

Nestes quatro volumes - os 19 comics originais mais algumas edições soltas - conhecemos Kamala, vimo-la a adquirir poderes e a aprender a lidar com eles, acompanhámos as suas dúvidas e incertezas, as suas ambições mais loucas e os seus medos mais intensos, vimo-la (tantas vezes) perdida entre a família, os amigos e os seus sentimentos mais íntimos… Vimo-la a crescer, a ganhar confiança, a cumprir sonhos…

E G. Willow Wilson conseguiu narrar-nos tudo isto à margem (tanto quanto possível) de cronologias complicadas, dispensando (quase) completamente o conhecimento dos acontecimentos paralelos do Universo Marvel. Embora eles estejam lá - e de que forma, no final (intenso!) e traumático - e o seu conhecimento, mesmo superficial, ajude, com uma ou outra concessão - aceitável e até lógica - a confrontos épicos, numa obra completa em si mesmo, que dispensa falsos moralismos e lições de vida - que são expostos, de forma natural, ao correr das páginas, sem se imporem - que, na sua essência, repito, não quer mais do que distrair e divertir - e consegue-o muito, muito bem.

Graficamente, o crescimento da protagonista foi acompanhado pelo do desenhador (da maioria das páginas), Adrian Alphona que progressivamente - ao ritmo da evolução do tom da série - foi abandonando o registo mais caricatural - a que voltou sempre que as cenas o pediam - e privilegiando momentos mais íntimos, salientando a expressividade através de grandes planos, ritmando o relato, por vezes de forma alucinante, graças a uma planificação muito dinâmica, e acompanhado por um excelente trabalho de cor em que os tons mais vivos iniciais foram dando lugar a matizes mais esbatidos.

Ms. Marvel #3 Apanhada

Ms. Marvel #4 Os últimos dias
G. Willow Wilson, Mark Waid e Dan Slott (argumento)

Adrian Alphona, Elmo Bondoc, Takeshi Miyazawa, Humberto Ramos, Victor Olazaba, Giuseppe Camuncoli e Cam Smith (desenho)

G. Floy

Portugal, Agosto de 2019/Fevereiro de 2020

190 x 280 mm, 132/120 p., cor, capa dura

13,00 € (cada)

(imagens disponibilizada pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)