19/03/2020

Sherman, l’intégrale

Meio século de história(s)


Se a leitura no ´formato´ integral, ajuda a compreender temporalmente as séries assim compiladas - em especial obras mais antigas (ainda) publicadas em revista - quando falamos de obras originalmente publicadas num reduzido número de álbuns - seis no caso de Sherman - lê-las num volume único permite uma leitura ‘mais curta’ no tempo e uma melhor avaliação da sua unidade.
No caso presente, proporciona ao leitor uma leitura integral de uma saga familiar, assente em traições e vinganças, que atravessa grande parte do século XX e tem a II Guerra Mundial como elemento de fundo muito importante, a par das operações obscuras no mundo da grande finança.
A personagem central é Jay Sherman, um órfão de origem humilde que se tornou alguém importante e rico e, a seu lado, embora de forma (mais ou menos) acessória, surgem os seus filhos Jeannie e Robert. A história arranca no final dos anos 1940, com um atentado, que vitima este último, e uma ameaça por telefone de destruição total de Jay Sherman: a sua fortuna, a sua reputação, os seus herdeiros.
Chegados aqui, convém referir que a leitura integral é, neste caso, essencial, pela forma como a narrativa está estruturada. Desberg, de forma equilibrada, vai avançando e recuando no tempo, encadeando as acções presentes em acontecimentos passados, estruturando a história aos poucos, como num puzzle em que vamos completando fragmentos de cenas dispersas, que progressivamente vamos unindo. A cada revelação feita, correspondem sempre umas quantas perguntas, que vão deixando o leitor em suspenso, ansioso por saber mais e prosseguindo, assim uma leitura dispersa no(s) tempo(s). Imagino como terá ido penosa a leitura sequenciada dos álbuns, mesmo que só tenham mediado 16 meses entre o primeiro e o sexto álbuns. [Posteriormente, 4 e 6 anos mais tarde, saíram mais dois álbuns, com nova desenhadora, que exploram os actos futuros de uma das personagens.]
Graficamente, Griffo - a que apenas tenho de apontar o tratamento dado aos lábios das personagens, que me desagradou sobremaneira - apresenta um trabalho competente, assente num traço realista, pormenorizado mas sem exagerar nos detalhas, que permite às pranchas respirar sem colocar em causa uma aturada reconstituição de época. Aparte o pormenor indicado, o tratamento da figura humana é sóbrio, proporcionado e bem conseguido, funcionando o todo como uma sólida base de sustentação da narrativa, sem chegar a distrair o leitor dela.
Leitura substancial, densa, com múltiplas ramificações e algumas surpresas, sobre negócios escuros, ambição, poder e jogos de sedução, Sherman garante algumas horas de entretenimento e um passeio ao lugares mais recônditos e esconsos da alta finança, a par de um retrato cru e realista do pior do ser humano e dos limites que ele é capaz de ultrapassar para subir - social, financeira ou em termos de relacionamentos - surgindo, dessa forma, aos olhos do leitor, como uma obra em que dificilmente conseguimos tomar partido sem (muitas) reservas por qualquer dos intervenientes.

Sherman
Desberg (argumento)
Griffo (desenho)
Le Lombard
França, 2014
222 x 300 mm, 288 p., cor, capa dura
ISBN: 9782803632985
34,95 €

(imagens disponibilizadas pela Le Lombard; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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