04/09/2020

Clássicos da Literatura em BD #1 e #2

 
Regresso
Durante anos foram norma, como tentativa de dignificar a BD agregando-a a géneros narrativos mais 'nobres' ou como meio de impor a produção nacional face a obras estrangeiras mais económicas - e tantas vazes mais atractivas.
Agora, estão de volta em colecções biográficas - Descobridores, Eles fizeram História - ou baseadas nos Mitos da Gradiva. E no novo projecto editorial da Levoir, numa (nova) parceria com a RTP, que começa hoje a chegar a bancas e quiosques e que merece algumas considerações já a seguir, antes de uma análise aos dois primeiros álbuns dos Clássicos da Literatura em BD.

A Colecção
Tudo (?) aquilo que queriam saber sobre ela, já foi escrito aqui. Fica no entanto um resumo. Nesta (primeira?) fase, estão previstas 14 adaptações de clássicos da literatura, entre eles dois baseados em obras portuguesas: Amor de Perdição e Os Maias. São dois álbuns que permanecem, no segredo dos deuses para já, mas que representam uma aposta de louvar por parte da Levoir que vai assim além da simples tradução, apostando em inéditos - como também tem acontecido nas colecções Novela Gráfica.
A base da colecção é maioritariamente em tom clacissista e, na forma, no estilo e no espírito, parece-me especialmente mais vocacionada para crianças/adolescentes do que propriamente para leitores habituais de BD - o que não significa que estes estejam excluídos à partida. Ou seja, esta colecção tem por objectivo despertar o gosto pela leitura (tanto de BD quanto) dos clássicos agora adaptados.
Isto leva-me a outra consideração: para mim, a menor ou maior adesão dos leitores às adaptações (neste casos de romances) em BD, está intimamente relacionada com a relação já existente entre o leitor e os romances originais. Por outras palavras, quanto maior for a ligação e o conhecimento do original, menor será o apreço pela adaptação. Porque, reconheço, transportar duas ou três centenas de páginas de prosa para quarenta e tal pranchas de BD está longe de ser tarefa fácil.

A Edição
Estamos perante álbuns franco-belgas, a cores, com capa dura, quase todos a rondar as 60 páginas - onde está incluído o dossier final sobre a obra e o autor originais e o contexto histórico da sua publicação. O preço é de 10,90 € - e será sempre porque os álbuns ficarão disponíveis nas livrarias ao longo do tempo.
As capas, estão certamente longe de ser consensuais e não é difícil imaginar algumas da críticas - “que confusão”; “não se percebem os títulos”… - mas pessoalmente gostei bastante delas. Modernas, provocatórias, diferentes e atractivas. Felizmente distantes da maquete classicista das originais.

A Percursora
Curiosamente, esta é a segunda incursão da RTP na banda desenhada e acontece de novo numa colecção de clássicos da literatura.
A primeira, a Biblioteca RTP que alguns recordarão, teve lugar em 1985/86 e somou 28 títulos. Tinha como base edições americanas - de autores maioritariamente filipinos! - e era publicada a preto e branco, num formato próximo ao que hoje associamos às edições originais Bonelli: 140 x 205 mm, cerca de 60 páginas e capa fina. As ilustrações das capas eram da autoria do português José Antunes

A Volta ao Mundo em 80 Dias
Mas vamos então abordar os dois livros lançados hoje.
A Volta ao Mundo em 80 Dias é um bom título para abrir uma colecção deste género. Na base da história, a aposta de Phileas Fogg contra outros cavalheiros ingleses, de como será capaz de dar a volta ao mundo em 80 dias. Passada no século XIX, tem como atractivo extra a suspeita de que Fogg poderá ser o assaltante do barco de Inglaterra, o que moverá uma perseguição policial contra ele.
Marcante, conhecido, muitas vezes adaptado, tive a oportunidade de o ler - e reler - na adolescência e, por isso, conheço bem a obra de Verne. Por isso - sem dúvida - achei parca e limitada a versão de Chrys Millien. Há episódios fundamentais eliminados, personagens que perderam a importância original e, acima de tudo, acho que esqueceu algo que era fundamental no original: a questão da urgência temporal, os tais 80 dias que Fogg tinha para dar a volta ao mundo e que aos poucos lhe parecem escapar por entre os dedos. É claramente um caso em que a meia centena de pranchas de BD foram escassas para o que havia para contar. Devo confessar, no entanto, que esta é uma apreciação muito pessoal e assente no facto de não ter conseguido 'ignorar' o meu conhecimento prévio da obra para conseguir o distanciamento necessário para perceber se o álbum, como está, funciona bem em BD.
Estranhei a opção narrativa - nem sempre funcional - de utilizar literalmente excertos do texto de Verne, mas graficamente, o trabalho de Millien é agradável, tem bastante dinamismo e funciona bem nos diferentes tipos de cenários em que a acção decorre.

Alice no país das maravilhas
Contrariamente ao romance anterior, apesar de conhecer diferentes versões da obra de Carrol - em BD e animação, entre as quais a(s) Disney - nunca li o romance original. Por outro lado, tendo sido publicado originalmente em dois volumes, a versão agora disponibilizada pela Levoir tem cerca de três dezenas de pranchas de BD ‘a mais’, o que deu a David Chauvel, um argumentista de créditos firmados e bom conhecedor do seu ofício, a possibilidade de incluir e explorar mais da obra original.
O desenho mais vivo e assumidamente caricatural, de volumes bem definidos e esteticamente agradável de Xavier Collette, contribui sobremaneira para fazer vingar o ambiente anárquico e louco do original, sendo sem dúvida este um álbum capaz de agradar a habituais leitores de BD, com outra exigência.

Clássicos da Literatura em BD
#1 A Volta ao Mundo em 80 dias
Baseado na obra original de Jules Verne
Chrys Millien
#2 Alice no país das Maravilhas
Baseado na obra original de Lewis Carroll
David Chauvel (argumento)
Xavier Collette (desenho)
Levoir/RTP
Portugal, 4 de Setembro
64/96 p., cor, capa dura
10,90 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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