Agatha Christie em BD

 As personagens e a vida

Os 130 anos do nascimento de Agatha Christie e os 100 anos do seu primeiro romance, são o mote para a chegada às livrarias portuguesas, pela Arte de Auor, do díptico Morte no Nilo/O misterioso caso de Styles, nas suas versões em BD.

E o pretexto para uma abordagem não exaustiva às ligações entre a obra e a vida da escritora e a banda desenhada.

Na verdade, se a banda desenhada tem muitos heróis detectives, de Mickey Mouse a Ric Hochet, de Rip Kirby a Dylan Dog, de Nick Raider a Jim Gordon, para não citar o próprio Batman ou, no feminino, Caroline Baldwin ou Jessica Jones, não se tem coibido de adaptar à sua linguagem clássicos da literatura policial, entre eles, inevitavelmente, criações de Agatha Christie.

Nada mais natural, dadas as características das obras da romancista: crimes envoltos em grandes mistérios, com muito suspense, alguma acção, algum humor e personagens carismáticos como Hercule Poirot, Miss Marple ou o casal Beresford.

Curiosamente, a maior parte destas adaptações para BD são criações francófonas, das quais os leitores portugueses têm podido conhecer algumas. Morte no Nilo, Crime no Expresso do Oriente e O Caso dos Dez Negrinhos chegaram ao nosso país no final do século passado, numa inédita promoção da Planeta DeAgostini com a gasolineira Repsol. De comum a todas, o nome do argumentista, François Rivière, também ele escritor de policiais, que para além de mais de duas dezenas de adaptações de obras de Agatha Christie foi também argumentista de séries com outro registo como Victor Sackville ou (pontualmente) Alix.

Mais recentemente, desde 2018, surgiram nas livrarias três outros álbuns: Crime no Expresso do Oriente, de von Eckartberg e Chaiko, Um cadáver na Biblioteca, de Ziegler e Dauger, e Mister Brown, de Van Der Zuiden. Se a editora - a Arte de Autor - e a fidelidade ao original unem estas três versões, em termos de desenho não poderiam ser mais diferentes, embora cada um se adapte bem ao romance escolhido.

Foi no âmbito desta colecção que a Arte de Autor lançou na semana passada um álbum duplo, com O misterioso caso de Styles e Morte no Nilo, a que voltarei em breve, a pretexto do centenário da publicação do primeiro e da estreia da versão cinematográfica do segundo, já amanhã.

Se estas são versões muito fiéis aos originais, há outras mais curiosas como Agatha Christie no Meitantei Poirot to Marple, nascida em anime e depois adaptada em três volumes no estilo manga, assinados por Oohashi, Yonemura e Ishikawa. Na história, Maybelle West, neta de Miss Marple, torna-se assistente de Poirot, juntando assim os dois detectives na investigação de diversos crimes.

Biografias

Sendo natural, pelo sucesso alcançado e pela sua universalidade, a transposição das histórias imaginadas pela romancista inglesa, já se torna mais singular constatar que a sua vida, com muito de misterioso, também interessou e inspirou os criadores de BD.

Nos anos 1960, o Álbum do Cavaleiro Andante n.º 94 publicava a preto e branco Uma história vivida, que colocava em paralelo situações quotidianas de Agatha Christie e cenas similares dos seus romances. Era desenhada por Édouard Aidans, criador de Tounga ou dos Franval, séries que os portugueses descobriram na revista Tintin.

Na mesma época, no n.º 78 da colecção mexicana (!) Mujeres Celebres, era publicada, sem indicação de criadores como era norma então, uma curiosa ficção em que Poirot, Miss Marple e Hastings tentam descobrir quem está por detrás de mais de meia centena de crimes, acabando por nomear a escritora no final de um enredo que aborda diversos momentos da sua vida.

Mais ambicioso foi Agatha Christie - L'Aventure d'une Vie, uma criação de Anne Martinetti, Guillaume Lebeau e Alexandre Franc, editada em França pela Marabout, em 2014, que apresenta a escritora como uma mulher moderna, complexa e reservada, responsável por planear o seu próprio desaparecimento para punir a infidelidade do seu marido.

Paródias e homenagens

Mas a obra de Agatha Christie originou também algumas homenagens.

Foi o caso de Miss Marple que inspirou alguns criadores dos quadradinhos. É o caso da simpática Prudence Petitpas, uma velhinha com queda para desvendar mistérios, criada por Maurice Maréchal no final da década de 1950. Algumas das suas investigações foram publicadas em Portugal no Álbum do Cavaleiro Andante, Zorro e Tintin.

A mesma personagem também inspirou o autor finlandês Kari Korhonen, para escrever e desenhar algumas histórias Disney da Vovó Donalda, de tom mais misterioso e policial.

(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Outubro de 2020; imagens disponibilizadas pelas editoras ou recolhidas no site Bedeteca Portugal; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)