19/11/2020

Spaghetti Bros #1

Negro e mordaz





Lançamento (ainda) recente da Arte de Autor, Spaghetti Bros compila uma série de histórias curtas sobre as vivências dos irmãos Centobucchi, de origem italiana como o nome indica, que no seu todo funcionam como uma crónica desencantada da América dos anos 1930.

A estrutura da série - no total serão 4 volumes, generosos em páginas como este - evoca a publicação original - nos anos 1990 - em revistas, daí as oito páginas por episódio auto-conclusivo, mas com continuação implícita. Na prática, funcionam como um puzzle, com cada pequena história a ser apenas uma parte de um todo que só será desvendado após a leitura integral. Esta estrutura de contos curtos, encadeados, permite imprimir um ritmo vivo e uma dinâmica narrativa mais incisiva, tornando Spaghetti Bros uma leitura viciante.

Se o título remete para uma história de mafiosos, isso apenas é verdade em parte, pois se Amerigo, o mais velho dos cinco irmãos, encarna na perfeição o papel de "padrinho" e gangster, os restantes irmãos têm outras profissões: polícia, padre, dona de casa e actriz de cinema. Ou seja, no seu conjunto, espelham várias facetas da sociedade e do sonho americano da década de 1930, embora longe de serem estereótipos, pois cada um apresenta desvios suficientemente marcantes e inesperados ao que seria expectável, que vamos conhecendo pouco a pouco, ao mesmo ritmo a que a opinião que formamos sobre cada um vai mudando e a simpatia que desenvolvemos por eles se vai desvanecendo, para dar origem a um sentimento misto de repulsa e curiosidade, baseado no desejo de saber mais sobre as suas vidas sórdidas, repletas de segredos esconsos.

Entre reminiscências da infância e juventude, segredos mal guardados, ódios recalcados e frustrações do quotidiano em que os Centobucchi tentam sobreviver fiéis aos seus próprios códigos, com a união familiar a manifestar-se acima de todas as divergências quando um deles está em causa, os autores argentinos Carlos Trillo e Domingos Mandrafina desenvolvem uma crítica de costumes amarga mas com bastante humor negro e constantes surpresas.


Spaghetti Bros #1
Carlos Trillo (argumento)
Domingos Mandrafina (desenho)
Arte de Autor,
Portugal, Outubro de 2020
210 x 285 mm, 196 p., pb, capa dura
22,75 €

(versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 17 de Novembro de 2020; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Excelente obra, tanto dos seus autores como dos seus editores. Carlos Trillo sem dúvida alguma é um dos grandes argumentistas pós Oesterheld. A edição é duma qualidade que não estávamos habituados mas que cada vez temos mais acesso. Pessoalmente adorei. É daquelas obras que se torna difícil parar antes de chegar ao fim. Inteligente, mordaz e num preto e branco muito bom com uma arte muito competente em todas as dimensões que cada vinheta e cada prancha exigem. Ansiosamente agurado os restantes volumes.

    Letrée

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  2. Oesterheld? já publicavam o El Eternauta por cá, que eu saiba continua inédito.

    Era uma boa edição a condizer pelo que já foi publicado pela Arte de Autor.

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