08/02/2021

O Castelo dos Animais #2: As Margaridas do Inverno

No ano de Orwell


No ano em que a obra de George Orwell entrou no domínio público, Dorison e Delep - e a Arte de Autor! - continuam a mostrar-nos a sua versão de O triunfo dos porcos - o Animal Farm original.
Não numa adaptação - ao contrário do que acontece com 1984 que, só em França, viu recentemente serem editadas quatro (!) versões diferentes - mas numa espécie de sequela que, no entanto, mantém intocável a base original: 'os animais são todos iguais, mas há alguns mais iguais do que os outros'...

Voltemos ao contexto original. No castelo dos animais, após a revolta e expulsão dos humanos, os porcos tomaram o poder. Rapidamente herdaram os tiques e perversões daqueles e, para a maioria dos outros animais, tudo continuou na mesma. Depois, dizem Dorison e Delep, nova revolução levou ao poder o touro Sílvio, secundado pelos mastins que lhe servem de guardas e mantêm a (mesma) ordem.

Dorison, nesta fábula, dá-nos uma lição de História política. A exploração do próximo, por um (aparente) bem comum que, na verdade, só se aplica a alguns, origina um desejo de revolta latente, que uma simples faísca poderá fazer explodir, com consequências inimagináveis.

Antes disso, no entanto, é preciso que alguém dê voz à revolta interior que vai grassando em silêncio. A sua concretização, pode tomar uma de duas vias: a violenta - no caso personalizada (como isto soa estranho!) no bode César - e a pacífica, defendida pela gata Miss Bengalore. Uma e outra têm apoiantes; uma e outra têm méritos e fraquezas; uma e outra podem levar (os animais) a uma nova situação - de novo - ou podem afundá-los ainda mais no regime de servidão - de escravidão! - e submissão em que (sempre) vive(ra)m.

É do choque entre ambas e dos seus defensores - do pôr em prática uma ou a outra e das inevitáveis consequências - e - também, e de que forma - da resposta que o poder lhes dá, que vive este o relato deste segundo tomo de O Castelo dos Animais. Um relato, vinque-se aqui, denso, consistente e profundo, de cuja leitura saímos com a sensação de termos voltado muitas mais do que as 56 páginas do livro.

O que se torna mais surpreendente sabendo que parte significativa delas são (quase) puramente visuais, com o traço de Delep, menos pormenorizado do que a visão de conjunto das pranchas parece indiciar, a brilhar a grande altura, no dinamismo dos movimentos, na expressividade dos animais, na heterogeneidade da planificação que privilegia a leitura.


Mais um ano?

Edições com o esta - e como outras, recentes, que poderia listar aqui - levantam uma questão que há poucos anos dificilmente passaria pela cabeça de ninguém.

meio ano, descobrimos O castelo dos Animais; meio ano depois, regressamos ao enredo. E ficamos - outra vez - ávidos pela sua continuação. Que, de certeza, nunca chegará antes de um (longo) ano. É o preço de acompanhar - (quase) em simultâneo - as edições originais. Um preço que alguns poderão considerar alto, quando olham para o lado e vêem belas edições - algumas até integrais - lançadas a um ritmo mais intenso... Obras originais mais antigas, portanto...

Num mercado que realmente o queira ser, tem de haver espaço para a recuperação de obras (pertinentes) que na altura do lançamento original ficaram por editar em português - e são tantas, senhores! - mas também para descobrir ao mesmo tempo de todos os outros leitores de BD, por todos os locais do planeta onde ela surge regular e devidamente, os novos títulos relevantes. Este é um deles, mas que (após a sua leitura) custará esperar (mais) um ano, disso não tenham dúvidas.


O Castelo dos Animais
#2 As Margaridas do Inverno
Xavier Dorison (argumento)
Félix Delep (desenho)
Arte de Autor
Portugal, Janeiro de 2021
232 x 310 mm, 56 p., cor, capa dura
20,50 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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