16/04/2021

Procura-se Lucky Luke

Procurem-no...


Diz o velho jargão, ‘nunca voltes ao lugar onde foste feliz’. Como todos os jargões - ditados, ditos populares e quejandos - umas vezes é verdadeiro, outras não.

Não é, felizmente, neste regresso de Matthieu Bonhomme a Lucky Luke - e ao seu universo - depois do justamente aclamado O homem que matou Lucky Luke - em que consegue levar ainda mais longe a sua personalização do universos criado por Morris - e consolidado por Goscinny.

Começo por um ponto de ordem: compreendo - e aceito - a justificação de A Seita para a ‘tradução do título original - evitar a confusão nas FNAC entre a edição portuguesa e a francesa que de certeza - incompreensivelmente - vai dominar o espaço para a BD. Mesmo que, ao fazê-lo, tenha sido perdido o duplo sentido do Wanted original: procurado/desejado. Porque, toda a trama, a motivação de todos - e são muitos - os participantes no relato, assenta completamente nesta dupla acepção do termo.

E já que estou a falar da edição de A Seita - disponível com duas capas diferentes, a normal, mostrada acima e a exclusiva das lojas FNAC, visível no final deste texto - distingue-se mais uma vez da original - tal como em Tex:A chicotada - pelos extras que oferece: entrevista com o autor, esboços das personagens, evolução de uma página, propostas de capas e um texto final de João Miguel Lameiras que aclara uma série de aspectos da obra.


Mas vamos então à história. Vagueando como habitualmente pelo velho oeste, Lucky Luke ajuda três jovens beldades em apuros, disponibilizando-se para as ajudar a levarem uma manada até à cidade onde a vão vender.

A par do incómodo que o interesse amoroso delas pelo cowboy solitário’ desperta nele, os perseguidores - outlaws, índios, militares - vão multiplicar-se, movidos pela recompensa de 50 mil dólares oferecida num cartaz com a efígie do herói.

Um dos principais méritos de Bonhomme neste álbum, é a abordagem completamente diferente do álbum anterior que agora nos propõe. Assim, temos um relato mais leve, com uma componente dramática menor, com mais humor e situações divertidas, que funciona num conseguido e irresistível burlesco, até ao desenlace final.

A inovação do interesse amoroso que Luke desperta nas três jovens que com ele - e bastantes mais… - protagonizam este álbum, é uma nota distintiva, bem conseguida e trabalhada. Lamento, finda a leitura, que não tenha havido um pouco mais de ousadia da parte do autor na exploração da frase presente na contracapa e duma maior sensualidade - que se justificava - por parte de Cherry, Angie e Bonnie, mas entendo que retomar Lucky Luke implica respeitar certos limites…

Outro achado neste álbum - explorado já, mas de forma mais reduzida no anterior - é o recurso a diversos personagens da vasta galeria original das aventuras do ‘cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra’.

Embora com pequenas variações deliciosas porque, se (re)encontramos (de novo) o bando de Joss Jamon, os apaches de Patronimo ou os ‘casacas-azuis’ do Coronel O’Hallan, também vamos conhecer o filho de Phil Defer ou o primo (afastado) dos Dalton! E todos, sem excepção, como as três jovens, procuram, desejam o cowboy!

História coerente e congruente, Procura-se Lucky Luke em termos de desenho confirma tudo o que já conhecíamos de Bonhomme, em especial do seu álbum anterior de Lucky Luke: personagens graficamente bem trabalhadas, um belo domínio de movimentos e poses reais pese embora o estilo semi-caricatural, uma multitude de ângulos de visão que aumentam o dinamismo das cenas mais movimentadas ou ajudam a sustentar as que assentam principalmente em diálogos - ou em silêncios eloquentes -, uma bela gestão do texto escrito (e da sua ausência) e uma capacidade invulgar de guiar o leitor, ao ritmo desejado, por um álbum que se lê como uma grande corrida através de cenários desoladores. Porque, ao contrário do precedente - ambientado em bosques e cidades, muitas vezes sob chuva intensa - este decorre integralmente em regiões áridas ou no próprio deserto e numa cidade-fantasma, numa completa mudança cénica - associada à sua temática, com um protagonista desejado por tantos que só busca a solidão... - que implica igualmente a utilização de tons fortes e quentes - amarelos, vermelhos, em oposição aos azuis sombrios do livro anterior.

Finalmente, concluída a cavalgada ao longo das suas páginas, convém parar, retomar fôlego e voltar ao início para, numa segunda leitura, percorrer as pranchas pausadamente, porque este é também um álbum de pormenores (deliciosos). Pequenos - ou grandes… - apontamentos, citações, referências - quase sempre gráficos - que até podem passar despercebidos mas que, encontrados - pois… - acrescentam pontos e qualidade a uma leitura já de si muito aconselhável. Cito, ao correr dos dedos pelo teclado, a vinheta inicial (inversão de...), o truque com a pistola logo a abrir, a ‘florzinha’ no cartaz (e não só), a questão do fumar - com Bonhomme a contornar, mais uma vez (e) com humor, a (única) proibição editorial que lhe foi imposta no retomar do herói criado por Morris -, as ‘respostas’ de Jolly Jumper ao cowboy (piscar de olho a Guillaume Bozard, e ao seu Lucky Luke que A Seita vai editar no Outono?), a homenagem a Goscinny, a ‘omnipresença’ do herói quando enfrenta o bando de Joss Jamon, a ‘versão completa’ da canção final…


Sobre O homem que matou Lucky Luke, escrevi há cerca de um ano: ‘Comprem (preferencialmente...), peçam emprestado, roubem... Mas não deixem de ler (…)’ Agora, o recado final é o mesmo porque a tudo de bom que o anterior já apresentava, este Procura-se Lucky Luke acrescenta a bela inclusão de (belas) personagens femininas (de primeiro plano) com personalidade própria e, principalmente, uma revisitação alargada e conseguida a um universo que de certeza marcou o imaginário de (quase?) todos nós, leitores de banda desenhada.


Procura-se
Lucky Luke
Matthieu Bonhomme
A Seita
Portugal, Abril de 2021
230 x 320 mm, 80 p., cor, capa dura
16,95

(imagens disponibilizadas pela editora A Seita; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

6 comentários:

  1. Faz-me alguma "confusão" como livros desta qualidade, de pequenas editoras (acontece também com a Arte de Autor e a Ala dos Livros, por exemplo), apenas estão disponíveis para compra ou Online ou na Fnac. Não tenho dúvidas de que com uma distribuição mais generalizada, o número de vendas seria muito superior.

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    1. Boa tarde Digo: não entendo... pelo menos no caso d'A Seita, os nossos livros têm uma distribuição muito alargada. Por exemplo, Procura-se Lucky Luke chegou hoje mesmo a mais de 400 bancas em Portugal, e a nossa distribuidora está a colocar desde ontem, e até final da semana que vem (penso) em c. de 600 livrarias espalhadas pelo país.

      O que acontece é que a Fnac tem muita visibilidade, e para mais, compra uma capa exclusiva, compra grandes quantidades, etc... pelo que em termos de prioridade tende a receber os livros um a dois dias antes da maioria dos outros clientes. Mas não todos, em média as livrarias especializadas (se me tiverem feito chegar os seus pedidos atempadamente) costumam receber um a dois dias antes da Fnac. Só há neste momento um canal em que não estamos presentes, que é as Bertrands, porque a pandemia afectou muito o funcionamento (administrativo) deles, e só agora se está a fazer os testes de EDI para os começarmos a fornecer (o contrato esta assinado desde Janeiro do ano passado!).

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  2. Perdão!! Leia-se 60 livrarias espalhadas pelo país, e não 600! Inflizmente acho que nem sequer existem 600 livrarias em Portugal.

    Mas moral da história: durante a semana que vem o livro estará à venda em c. 15 Fnacs, meia dúzia de livrarias especializadas, mais de 60 livrarias generalistas, Wook, e mais 400 bancas/quiosques/press shops. Não me parece pouco... cerca de 500 pontos de venda.

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  3. Pois, fui procurar por ele, precisamente na Bertrand e nem sabiam da sua existência! Encomendei-o online (também na Bertrand) e fui levantá-lo à loja, tendo aproveitado para comprar o último Vaillant (da Asa) - acabado de sair, havendo na loja, disponíveis para compra, talvez uns 10 exemplares. Daí o meu comentário.

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    1. A Bertrand não é o país todo. Aliás, é surpreendente, mas é a mais burocrática e confusa das livrarias portuguesas, o que explica a razão de serem necessários um ano e meio para conseguir começar a vender para lá.

      Mas a verdade é que, das editoras mais pequenas de BD, A Seita e a que tem das distribuição mais alargada e mais distribuída no território nacional.

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  4. Eu pessoalmente comprei numa tabacaria de Benfica.

    Vejo os livros da Seita e G-Floy um pouco por todo o lado, em Lisboa e arredores.

    Penso que se vendem bem porque desaparecem depressa das prateleiras, edições recentes, em uma ou duas semanas e já foram.

    Estou a ver que estiveram a reeditar os Southern Bastards, os 4 volumes voltaram às bancas.

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