12/04/2021

Yojimbot #1

Herdeiros do manga (I)



Se noutras épocas, foram as tiras de imprensa norte-americana, primeiro, ou os super-heróis, mais tarde, por exemplo, que influenciaram gerações de autores, as mais recentes têm no manga - e no anime, também - muitas das suas raízes, o que se torna evidente nas suas obras.
Yojimbot, é um (belo) exemplo.

Sei que a minha geração - e pelo menos a que se lhe seguiu - olha com desconfiança para o manga: pelas séries intermináveis, pelas cenas simples que acontecem ao longo de dezenas de páginas, pelo visual típico das personagens... Aspectos que, no entanto, se apresentam como normais para quem cresceu com os anime televisivos - que uma vezes emularam as BD, outras as adaptaram - e os videojogos, habituados por isso a outro tipo de vertigem narrativa.

A influência atrás descrita, começou a ser mais notória há uns 20 (?) anos e hoje em dia é transversal a todos os géneros, indo já muito mais além do que a simples vontade dos editores ocidentais tentarem clonar as obras originais que chega(va)m do oriente - Japão, Coreia, mesmo China - e sendo pura e simplesmente, de modo espontâneo, a forma de autores ocidentais se exprimirem.

Yojimbot - descoberto um pouco por acaso - é um claro exemplo daquela influência, que espelha a sua boa simbiose com a base narrativa tradicional europeia.

Por um lado, estamos perante uma obra em forma de álbum, num formato intermédio entre o comic e o franco-belga tradicional e a cores. Por outro, em termos visuais, as personagens apresentam claramente o aspecto com que os orientais vêem os ocidentais - nomeadamente nos olhos esbugalhados e as bocas abertas - e em termos narrativos há um farto recurso a linhas cinéticas de movimento mas sem que elas assumam o protagonismo, em boa parte porque na assimilação de influências para criação de um estilo pessoal, a limpidez do desenho - que podemos bem classificar como linha clara - faz com que a obra mantenha uma grande legibilidade.

A história decorre em 2241, no antigo Japão, num planeta Terra cuja superfície se tornou hostil para o género humano. Nas ruínas, restam apenas robots - auto-suficientes, com uma 'escala social' similar à que os humanos anteriormente exibiam.

O seu início tem lugar nos escombros de um antigo parque de diversões abandonado, onde o protagonista, Yojimbot, um velho robot samurai descobre uma criança que (se) perdeu (d)o pai, quando tentavam fugir de uma tropa armada de robots.

A aplicação pelo samurai da principal lei da robótica que proíbe causar dano a humanos - algo já esquecido por boa parte dos autómatos, em especial pela personagem misteriosa que os comanda na sombra - vai levá-lo a proteger a criança, tentando por todos os meios levá-lo ao seu destino, percebendo que disso depende o futuro da humanidade.

Se através deste resumo, o argumento pode parecer pouco original, embora realce valores como a amizade, o dever e serviço ao próximo, mesmo em condições muito adversas, o principal trunfo deste primeiro tomo de Yojimbot, é a forma como está narrado, com uma planificação extremamente vigorosa, uma linha clara expressiva e uma belíssima colorização. Acima de tudo, realce para a dinâmica narrativa, com muito pouco texto escrito, assente em vinhetas amplas - apenas 2, 3 por página muitas vezes - uma utilização invulgarmente dotada da variação de tomada de pontos de vista e um ritmo alucinante de fazer perder o fôlego a qualquer leitor, que tornam vibrantes os sucessivos confrontos que ela apresenta.

É verdade que, ao fim destas primeiras - e curtas... - cento e sessenta páginas, se fica com a sensação de ter acontecido muito pouco - apesar de terem sido lançadas bases sólidas para o desenvolvimento futuro do relato - mas a vertigem sentida, a forma como Sylvain Repos arranca o leitor do seu descanso e o arrasta inapelavelmente, garantem um prazer bem maior do que conseguem muitas leituras.

...porque, seja manga, tiras de imprensa, super-heróis, fumetti ou franco-belga, o que importa é a história e, principalmente, como nos é contada.


Yojimbot - Tome 1
Sylvain Repos
Dargaud
França, Janeiro de 2021
200 x 267 mm, 160 p., cor, capa dura
EAN 9782205082401
16,50 €

(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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