25/08/2021

Canizales: “Acredito que esta adaptação em BD contribuirá bastante para a divulgação da obra de Queirós junto das novas gerações.”





No passado dia 24, chegou às bancas e quiosques nacionais,  a versão em banda desenhada de Os Maias, décimo volume da colecção Clássicos da Literatura em BD.
Foi o pretexto para uma conversa com Canizales, o autor escolhido pela Levoir para esta adaptação, sobre a obra em questão e as dificuldades que este projecto lhe levantou.


As Leituras do Pedro - Como surgiu esta oportunidade de adaptar Os Maias para BD?

Canizales - A oportunidade surgiu porque já conhecia a Sílvia Reig, já nos tínhamos encontrado em diversas feiras e tínhamos conversado sobre diversos projectos. Em meados do ano passado, contactou-me, falou-me deste projecto, explicou-me a relevância que Os Maias têm para a cultura e a língua portuguesa e pareceu-me muito interessante poder participar nele.


As Leituras do Pedro - Já conhecia o romance original? De que forma esta adaptação contribuiu para aprofundar a obra de Eça de Queiroz?

Canizales - Não tinha a sorte de conhecer o romance original, por isso esta foi uma óptima oportunidade para o ter nas mãos, lê-lo e mergulhar nele. Para além disso, pude ver através da internet, que existem muitas adaptações, como por exemplo uma série de TV, um filme, que há versões digitais do livro, blogues sobre Os Maias, foi uma forma de me aproximar da obra sob diversos ângulos; vê-la no seu estado original, ver o impacto que teve na cultura e na sociedade e ver análises que fizeram dela.

Como criador visual e também autor de BD, ao fazer uma adaptação estou a imprimir-lhe uma visão muito pessoal, estou a transmitir a forma como visualizei a aparência das personagens, dos lugares, a forma como senti os acontecimentos e as emoções descritas na história.

Sendo uma banda desenhada, vai permitir que muitas pessoas, a maioria possivelmente jovens, que hoje em dia têm períodos de concentração curtos, poucos hábitos de leitura e muita distracção com as redes sociais e as apps e que dificilmente pegariam num livro com tantas páginas, se aproximem mais facilmente do universo de Eça de Queirós, seduzidos pelas imagens que facilitam a sua entrada neste universo e sem terem o esforço de descodificar o texto.

Acredito que esta adaptação em BD contribuirá bastante para a divulgação da obra de Queirós junto das novas gerações.


As Leituras do Pedro - Como se desenvolveu a sua colaboração com o José de Freitas? Que método de trabalho utilizaram?

Canizales - Depois de ter lido o romance, de ter feito um resumo e de ter esboçado como pensava planificar as pranchas, a editora pôs-me em contacto com o José de Freitas que iria supervisionar o trabalho. A partir daí, quando tinha algumas páginas prontas, enviava-as ao José de Freitas que me indicava se era necessário fazer alguma modificação, se havia algo que não compreendia, se era preciso corrigir alguma coisa. O método de trabalho que utilizamos foi este.

Quando terminei, enviei todo o material, escrito em espanhol, e ele fez a tradução e a adaptação para português.


As Leituras do Pedro - Obrigando uma adaptação em BD a condensar a obra original, o que considerou essencial manter do romance original do Eça?

Canizales - Foi um desafio muito grande condensar uma história tão complexa e tão cheia de variações em 45 páginas de BD. Tive de seleccionar o que era essencial, e eliminar qualquer outro elemento que, mesmo que adicionasse riqueza ou profundidade, não se poderia incluir devido à limitação de espaço.

Por exemplo limitei os diálogos, excluí as situações relacionadas com a vida profissional dos protagonistas ou as suas relações românticas. Infelizmente, também deixei de fora personagens ou acontecimentos menos relevantes para a história principal, embora contendo elementos muito ricos sobre a política, as opiniões ou a cultura da época. Por isso, o essencial foi a relação do casal e a descoberta final do segredo que os envolve e como isso os afecta e aos outros protagonistas.


As Leituras do Pedro - Quais as maiores dificuldades que surgiram na adaptação?

Canizales - Quando comecei a ler o livro, foram-me surgindo imagens e fui recriando mentalmente o que estava a ler e foi isso que me permitiu ver como podia sintetizar o mais importante.

É evidente que uma adaptação destas levanta muitas dificuldades. Por exemplo, nalgumas cenas, por vezes foi necessário adicionar acontecimentos que não pertenciam a essa mesma cena. Outras vezes, tive de sintetizar numa página situações que se tivesse mais páginas teria retratado com um ritmo diferente. A adaptação ficou com um ritmo algo rápido e trepidante, que por vezes tentei tornar mais lento e suave, mas isso deve-se à dificuldade de ter de incluir muita informação.

Era fundamental que a banda desenhada em si fosse um produto de leitura agradável, mais do que tentar condensar nela todo o romance original.

Outro dos grandes desafios foi assumir uma obra que tem tanta repercussão e que é tão importante para a cultura de uma língua como a portuguesa. Sentes a preocupação de não estar à altura, se os que conhecem a obra original, ao lerem esta adaptação, não se vão sentir atraiçoados ou não vão achar que foram tomadas demasiadas liberdades.

Quanto ao ambiente da época, para mim foi muito divertido, porque gosto muito da forma como as pessoas se vestiam, da decoração das casas, mas foi igualmente um desafio, porque por vezes o tamanho das vinhetas não deixava introduzir tantos detalhes como desejava, para não ficarem sobrecarregadas. Tive de procurar o equilíbrio para que as decorações sugeridas estivessem colocadas de uma forma mais orgânica segundo o espaço disponível.


As Leituras do Pedro - Que documentação utilizou?

Canizales - Li a tradução espanhola do livro de Eça de Queirós, vi na internet alguns capítulos da série e o filme, consultei blogues e artigos sobre o tema e bastante material fotográfico.
As dúvidas que surgiram quanto ao ambiente ou à localização,
coloquei-as à Sílvia Reig e ao José de Freitas, que me esclareciam ou enviavam referências visuais, por exemplo dos transportes utilizados na época ou da casa em que viviam os Maias.


As Leituras do Pedro - Acha que o Eça de Queiroz ficaria satisfeito com o resultado final?

Canizales - Esta é uma pergunta demasiado difícil. Parcialmente sim. Se entendesse as limitações do formato e do número de páginas, poderia apreciar que foi feito um grande esforço para manter os elementos essenciais e mais relevante da história. Por outro lado, acredito que desejaria mais, porque houve muitos outros elementos da história que ficaram de fora devido às limitações de páginas. A banda desenhada em 45 páginas de imagens e texto não consegue transmitir a profundidade que têm as cerca de 600 páginas de texto originais.

Em resumo, acho que a sua resposta seria: sim, mas dá-me um pouco mais.


As Leituras do Pedro - Há alguma perspectiva de o livro ser editado em Espanha? Gostaria que isso acontecesse?

Canizales - Não sei, porque os direitos pertencem à editora. Eu gostava, porque partilhei algumas imagens nas minhas redes sociais e houve pessoas que disseram que gostavam de o poder ler em espanhol. Seria muito bom se se pudesse encontrar um editor para lançar em Espanha esta adaptação de uma jóia da literatura portuguesa.

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Canizales é um autor-ilustrador especializado em livros infantis e bandas desenhadas, com obras publicadas em espanhol, inglês, italiano, francês, alemão, polaco, chinês, português, basco, macedónio, catalão e coreano, por editoras como Penguin Random House, Scholastic, National Geographic, Templarios, Apila, Nube 8, Santillana, Tatarak e Telos, entre outras.

Tem mais de 70 livros publicados.
Prémios recentes:
2020 Shortlisted Cuatrogatos prize
2019 Enric Solbes prize for best picturebook
2019 Shortlisted Cuatrogatos prize
2018 Honorary Mention Ciudad de Palma Comic Awards
2018 Cuatrogatos prize
2017 V Social Graphic novel Divina Pastora Award
2016 Apila Primera Impresion Award
2016 Boolino Award


(versão integral da entrevista feita por mail e respondida em formato áudio que esteve na base do texto publicado no Jornal de Notícias de 22 de Agosto; imagens @canizales_books disponibilizados por Canizales; capa e prancha disponibilizadas pela editora; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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