18/08/2021

Drácula

Como nunca visto


Se noutros tempos a banda desenhada adaptou os clássicos da literatura como forma de auto-afirmação, há já muitos anos que, assumindo-se como género autónomo, os tem revisitado de forma original e apelativa (para os leitores habituais de BD), potenciando as suas muitas qualidades gráficas e narrativas.
É o caso do recém-editado Drácula com que a editora A Seita inaugurou a sua colecção Nona Literatura, dedicada a este tipo de obras - o que, conjugado com vários outros sinais, parece indiciar que este ‘regresso recente’ da BD às adaptações literárias é mais do que uma simples moda passageira.

A edição tem duas capas diferentes, uma das quais - a dourada, que pode ser vista neste link - exclusiva da Wook, que assim se estreia num ‘segmento’ que até agora parecia apanágio exclusivo da FNAC.

Este Drácula tem autoria de Georges Bess, que apresenta ao leitor o romance de Bram Stoker, publicado pela primeira vez em 1897, num preto e branco imaculado, rico em contrastes claro/escuro e em jogos de luz e sombra, com que os quais o ilustrador francês define volumes, silhuetas e ambientes, captando o tom de tensão e terror que é a base da obra original. Com o seu traço fino, expressivo e detalhado, Bess torna incomodamente reais os olhares dementes, a textura das vestes esvoaçantes, a sobrevivência extrema associada aos ataques da criatura da noite ou a violência com que ripostam aqueles que a tentam eliminar.

Para esta bem conseguida transposição para BD, contribui também a planificação multifacetada, com diversas páginas duplas espectaculares, que combina planos de pormenor e grandes planos, momentos intimistas e cenas de acção, e torna credíveis e palpáveis as ruelas decadentes de Londres, os lúgubres cemitérios visitados, as cenas em zonas arborizadas, as paisagens inóspitas da Transilvânia ou o tétrico castelo onde reside Drácula.

Como aspectos menores, surgem aquelas (poucas…) em que os fundos estão desoladoramente brancos e despidos e as páginas finais, em que as manchas de texto ganham maior dimensão, contrastando com o recurso contido e assertivo que se verifica ao longo de quase todo o livro, deixando a sensação de que ele pedia mais uma ou duas dezenas delas.

São dois aspectos que tendo alguma relevância, a vêem atenuada ou diluída pela riqueza da intensidade gráfica de Drácula, com multiplicação de traços e pormenores, utilizados em diferentes técnicas que transformam cada prancha numa surpresa e em renovado deleite para o leitor, evocando o conjunto o romance de Bram Stoker como nunca o tínhamos visto - nem sequer imaginado.


Drácula
Georges Bess
A Seita
Portugal, Julho de 2021
220 x 285 mm, 208 p., pb, capa dura
25,00 €

(versão revista e ampliada do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Agosto de 2021; imagens disponibilizadas pela editora A Seita; clicar neste link para vermais ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar e toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Não tinha grandes esperanças mas li o livro, de seguida, durante uma voo. Excelente surpresa. Concordo em tudo com o Pedro e recomendo com entusiasmo. Durante três horas voei extasiado nas asas do vampiro

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