15/11/2021

Apocalipse

Visões

...uma profecia pode ser concebida de forma a poder ser entendida
a partir de um determinado momento, porque antes pode revelar-se inútil, ou até criar confusão…”
Sir Isaac Newton in Apocalipse


Se na actual febre de adaptações literárias em banda desenhada, as escolhas dos romances originais na maior parte dos casos se revela óbvia ou é justificada pela obra no novo registo, algumas que se revelam surpreendentes (para não dizer mais) e que nunca imaginaríamos que alguém se sentiria tentado a fazê-las.
Este Apocalipse - A revelação de São João, baseado no vigésimo-sétimo e último livro do Novo Testamento bíblico, é sem dúvida um deles, para mais oriundo do catálogo Bonelli...

Desde logo pelo seu carácter profético, fechado sobre si mesmo, sem qualquer linha narrativa condutora, sem uma cronologia linear ou seja, sem um princípio, meio e fim. É um livro que narra as visões ‘apocalípticas’ tidas pelo apóstolo João (?) na ilha de Patmos, já próximo da data da sua morte, que passou para o papel os flagelos, e castigos que estariam para se abater sobre a humanidade.

Se os primeiros cristãos - seus contemporâneos - acreditaram que a segunda vinda de Cristo e o consequente julgamento final da humanidade estariam para breve - para os seus dias, mesmo - a verdade é que vinte séculos depois continuam(os) a aguardar a sua concretização, mesmo que alguns adivinhem (?) aqui e ali, ao longo da História, a concretização de parte dos acontecimentos narrados.

A adaptação para banda desenhada de um texto com estas características, para além de todas as dificuldades que este tipo de obras já levanta, corria o grave risco de resvalar para o campo da ilustração - que é o que na verdade temos ao longo da maioria desta edição: a recriação gráfica, muitas vezes inspirada, com o uso de técnicas gráficas diversificadas, levada a efeito por Corrado Roi.

É verdade que a espaços, Alfredo Castelli introduziu verdadeiras sequências em BD - veja-se a abertura ou os vários momentos históricos recriados, referentes àqueles em que a obra foi alvo de (tentativas de) interpretação, mas revelam-se curtos, limitados e isolados e, por isso, manifestamente poucos para que eu consiga classificar este livro verdadeiramente como ‘banda desenhada’. Alguns discordarão - e estão no seu direito.

Na entanto, é nesses apontamentos em BD que Castelli acaba por afirmar o que de mais importante existe - pode existir - no Apocalipse: a liberdade de cada um o interpretar à sua maneira, de acordo com as suas crenças, estudos e cultura - e de retirar dele a súmula, o proveito e o prazer a que se propuser, não sem concluir, de forma irónica, com uma interpretação pessoal…

Bem complementado pelo prefácio e glossário, com que Castelli abre o livro, e pela viagem final por outras interpretações desenhadas do Livro da Revelação, Apocalipse não sendo de leitura fácil nem consensual, revela-se desafiador e capaz de no final da leitura deixar o leitor mais perdido do que se encontrava antes de a iniciar, o que, paradoxalmente pode ser sinónimo de mais culto ou informado.


Apocalipse - A Revelação de São João
Colecção Nona Literatura
Alfredo Castelli (texto)
Corrado Roi (ilustrações)
A Seita
Portugal, Setembro de 2021
210 x 285 mm, 112 p., pb/cor, capa dura
20,00 €

(imagens disponibilizadas por A Seita; clicar neste link para ver mais algumas pranchas ou nas imagens aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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