26/11/2021

Giant

A partir de uma fotografia


Existe uma fotografia muito famosa, da década de 1930, de autoria nebulosa, que mostra uma série de operários sentados numa viga metálica suspensa sobre o vazio a grande altura, durante a construção do Rockfeller Center. A partir dela, o canadiano Mikaël criou uma narrativa sobre ilusões e sonhos perdidos, sobre passados complicados e futuros incertos, baseada naqueles homens anónimos. Deu-lhe o título de Giant.

Que é como quem diz ‘gigante’.

Gigante’, alcunha da (alta) personagem central.

Gigante’, como os arranha-céus em que os intervenientes trabalham.

Gigante’, finalmente, na dedicação e superação que esses mesmos protagonistas demonstram.

Por isso, Mikaël deu-lhes nomes, nacionalidade irlandesa e vidas pessoais, recheadas de pequenos grandes dramas que, no seu conjunto, retratam uma época que foi terrível mas também grandiosa. Que é uma outra forma de dizer ‘gigante’.

Através deles, mostra-nos a vida dura e arriscada dos menos favorecidos - dos nada favorecidos, na verdade… - num país profundamente abalado pela Grande Depressão, em que abundavam os confrontos entre indivíduos de nacionalidade diferente para marcar territórios (e corpos...), com a sombra tutelar da Máfia a pairar sobre todos, mesmo sobre aqueles que apenas queriam sobreviver e, de vez em quando, serem felizes.

O protagonista de Giant, que a Ala dos Livros lançou em edição integral - e muito bem, porque histórias destas devem poder ser lidas de uma só vez - é o tal gigante, um irlandês de grande estatura, com um passado nebuloso que vai sendo revelado ao leitor. E que, num gesto espontâneo de piedade, oculta a morte de um dos seus colegas, passando a corresponder-se com a viúva em nome do marido. As consequências de um gesto bem intencionado acabarão por ser incontroláveis, na Nova Iorque dos anos 1930, em que os arranha-céus cresciam como cogumelos, à custa do trabalho quase escravo dos imigrantes, e onde, se todos os sonhos eram permitidos, eram poucos aqueles que se chegavam a concretizar.

Num relato em que a esperança paira sempre, parece estar mesmo ao alcance da mão, embora fuja sempre um passo mais quando um braço é esticado, a recusa do facilitismo que seria um final (dito) feliz, torna mais credível, coerente e mesmo aliciante esta história de seres (apenas) humanos, mesmo que aqui e ali (nos) pareçam gigantes...


Giant - Edição integral
Mikaël
Ala dos Livros
Portugal, Setembro de 2021
235 x 310 mm, 120 p., cor, capa dura
25,oo


(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 16 de Outubro de 2021; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas imagens aqui mostradas para as apreciar em toda a sua extensão)

2 comentários: