20/03/2022

André Diniz: “Sabia que a história se repete, mas ver acontecer na prática, é assustador”

Entrevista feita a propósito do lançamento do livro A revolta da vacina no Amadora BD 2021, para publicação de um texto alusivo no Jornal de Notícias online, ainda disponível aqui, é publicada hoje na sua versão integral.

A revolta da Vacina, que tem edição portuguesa da Polvo, é uma obra sobre a epidemia de varíola que afectou o Brasil em 1904 e levou mesmo à vacinação compulsiva, à necessidade de ter um certificado de vacinação para aceder a locais públicos e a uma revolta popular contra as forças da ordem. Questões que ganham outro protagonismo, no momento actual, com a pandemia de Covid-19 em curso há já dois anos.


As Leituras do Pedro - Como surgiu a ideia de contar este episódio histórico?

André Diniz - Foi o Alexandre Linares, meu editor na época (e eu estou a falar de 2007/2008) quem sugeriu esse tema. O projecto então não foi em frente, mas aí era tarde: eu já havia pesquisado sobre o tema, imaginado o protagonista, já estava com todo esse universo. Daí, segui adiante na criação dessa BD por conta própria.


As Leituras do Pedro - Foi fácil encontrar informação/documentação sobre a época?

André Diniz - Foi. Não era ainda a Internet como é hoje, mas ela foi fundamental para que eu fizesse a ponte até os livros impressos necessários, pelas livrarias digitais. A pesquisa de imagens da época foi a mais fácil, pois eu já era coleccionador de livros de fotos do Rio de Janeiro antigo, um período visualmente fascinante.


As Leituras do Pedro - Quais as maiores dificuldades que tiveste de ultrapassar?

André Diniz - Essa deve ter sido a minha BD com um caminho mais longo entre a ideia inicial e a presente edição. Escrevi diversas versões do argumento, fiz muitas modificações. O protagonista está mais para um anti-herói e mesmo assim havia pontos em que me identificava muito com ele. Acho que isso me confundiu um pouco. A busca entre conciliar a história e o cenário reais com a história do Zelito, o protagonista, personagem fictício com a sua história própria também criada por mim, foi também um desafio. Desenhei uma primeira versão da BD inteira e não fiquei satisfeito. Refiz todo o estilo das páginas para a primeira edição, que saiu em 2012 com o título de Z de Zelito. Mas a edição teve muitos problemas, quase ninguém viu e eu também não fiquei satisfeito com as minhas decisões. Redesenhei uma terceira versão agora, a convite da Darkside (a editora brasileira) e, agora sim, estou muito feliz com o resultado!


As Leituras do Pedro - A pergunta é inevitável: há alguma intenção de traçar um paralelismo entre a epidemia de 1904 e a actual situação devido à Covid-19?

André Diniz - A nova edição da BD, já refeita, agora em 2020, foi claramente motivada pela situação actual. Não “só” pela pandemia, mas também pelo momento político no mínimo absurdo pelo qual o Brasil passa. Mas, como a primeira versão do argumento foi escrito mais de dez anos antes, eu escrevi uma BD sobre história e passado. De repente, ela ficou actual, o que é assustador. A história se repete, eu já sabia na teoria, mas é assustador ver isso acontecer na prática.


As Leituras do Pedro - Quais os pontos comuns entre uma e outra?

André Diniz - As semelhanças são muito mais sociais e políticas do que da epidemia em si. Tudo o que vemos acontecer no Brasil hoje já estava lá, em 1904: as “fake news”, o negacionismo, o oportunismo político e a ignorância do povo - muito mais justificável na época do que hoje, não só pelo acesso à informação, mas também porque o Brasil de hoje é um país que já foi referência mundial em campanhas de vacinação, ao contrário de uma época em que a própria ideia de vacinação em massa por si só já era algo estranho.


As Leituras do Pedro - O que faz de uma epidemia um bom tema ficcional?

André Diniz - É uma história feita principalmente por anónimos, pelo povo, por gente simples e comum. Daí, não só eu posso como eu tenho de criar personagens fictícios com suas histórias próprias, o que é a parte mais fascinante para mim. Sempre amei essa combinação, de criar ficção dentro de contextos reais.


As Leituras do Pedro - Embora centrado no acontecimento histórico, esta é a história de um jovem que tem o sonho de ser desenhador de imprensa, mesmo contra a vontade da família. Há neste livro algum reflexo auto-biográfico da tua parte?

André Diniz - Concordo que é difícil não fazer essa associação! Mas não, e ainda bem. Sempre tive todo o apoio da minha família e nunca sofri toda essa pressão pela qual o personagem passa ao longo da trama. Espero também que eu nunca tenha sido tão arrogante e presunçoso quanto ele!...


(imagens disponibilizadas por André Diniz e pela Polvo; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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