20/04/2022

J. Kendall #148

O poder de uma capa



Costuma dizer-se que a capa é a porta de entrada num livro. É dela que, muitas vezes, depende a compra impulsiva de uma obra - ou, em sentido inverso, a recusa dessa compra. Mais a mais, numa publicação regular mensal como é Julia em Itália - e agora também no Brasil, travestida de Júlia - em que a capa pode ter papel preponderante na captação do leitor ocasional ou de passagem.

No caso presente - da edição brasileira, que tem sempre de optar pela capa de uma das duas publicações originais contidas no volume (no tempo em que eles eram duplos...) - a escolha não podia ter sido mais acertada. Porque uma capa tem de criar curiosidade, provocar surpresa, dar vontade de entrar na obra e desfrutar dela. E, nesta caso, assistir à colocação da criminóloga de Garden City numa cela, dificilmente poderia ser mais aliciante e desafiador para os leitores. Para os fãs - e para aqueles que só se encontraram com Julia aqui ou ali.

Escrevi há dias, a propósito do aconselhável Na prisão, que "quando falamos em narrativas de prisão, naturalmente vêm de imediato à mente duas temáticas - muitas vezes complementares: as grandes fugas, por um lado, ou as histórias hiper-violentas sobre a dura realidade quotidiana de quem está preso, sujeito à prepotência dos guardas ou à opressão dos gangs". Atrás das grades, num primeiro momento, parece encaixar mais na segunda tipologia com Julia a ser agredida - nem sempre (só) fisicamente - por guardas e prisioneiras na chegada à sua "nova casa".

Não vou revelar o que levou a criminóloga a ver a vida 'do outro lado' mas - mais uma vez - esta narrativa é daquelas que me deixa algo desiludido por, a meu ver, não se enquadrar no perfil (bem) traçado de Julia.

Se a conhecemos como tímida e reservada, psicóloga e não mulher de acção, mulher sensível e introspectiva, mais interessada em penetrar na mente dos criminosos do que em ter parte em perseguições, tiroteios e confrontos violentos, custa-me quando Berardi se nega a si mesmo, fazendo da sua protagonista o que ela nunca (?) poderá ser - com a possível excepção daquelas situações extremas cujo efeito em nós se torna impossível prever ou antever.

E para cúmulo, perto do final, quando o leitor está já convencido que esta história é apenas a primeira parte de um conto de maior dimensão, em poucas páginas Berardi finaliza-a de forma coerente, sim, mas muito apressada.

...mas que a capa desperta a atenção e a vontade de ler, ninguém o nega! Bem mais do que a imagem 'preterida', presente na contracapa da edição, apesar de ser bem mais chocante e violenta tout court.

...até porque, a narrativa que abre este mini-álbum, Carne de açougue, se revela muito mais interessante - e tem Julia no seu devido lugar.

O ponto de partida são décadas de maus-tratos domésticos, segue-se a descoberta do cadáver do agressor e a inevitável investigação em que abuso, adultério e amor maternal se vão revelando em diferentes doses e momentos, numa investigação em que a aparente verdade se revelará enganosa mais de uma vez e, quando finalmente vier ao de cima, certamente surpreenderá a maioria dos leitores.

Aqui sim, Julia assume-se como a investigadora social e Berradi brilha num relato tenso e incómodo que aborda alguns dos problemas de relacionamento que facilmente encontramos ao nosso redor.


J. Kendall As aventuras de uma criminóloga #148
+ Carne de açougue
G. Berardi e L. Calza (argumento)
Ernesto Michelazzo (desenho)
+ Atrás das grades
G. Berardi e M. Mantero (argumento)
Antonio Marinetti (desenho)
Mythos Editora
Brasil, Setembro/Outubro de 2020
135 x 180 mm, 256 p., pb, capa mole, bimestral
R$ 24,90

(capa disponibilizada pela Mythos Editora; pranchas disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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