24/05/2022

O Perigoso Pacifista

Adriano contado em banda desenhada


Para lá da vertente ficcional que mais facilmente associamos à banda desenhada, esta assume recorrentemente outros registos, entre os quais se destaca o histórico, a adaptação literária ou o biográfico/documental, como acontece neste O Perigoso Pacifista.
Co-edição de A Seita e do Centro Artístico Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira, traça uma biografia do músico e cantor, desde o seu nascimento no Porto até à sua morte - embora a sua música lhe tenha garantido a imortalidade.

Num tom leve e saltitante - que privilegia os momentos mais marcantes em detrimento de uma narrativa mais exaustiva, o que torna a leitura agradável e fluída  o argumentista improvisado, Paulo Vaz de Carvalho, que privou de perto com Adriano Correia de Oliveira e o acompanhou em muitos dos seus concertos, evoca através das próprias memórias ou das que outros lhe confiaram, os tempos estudantis em Coimbra, as acções de resistência à ditadura, as perseguições pela PIDE ou os grandes nomes da música que privaram com ele, como Vitorino, Fausto, Carlos Paredes, José Cid ou José Afonso.

Ao relembrar um percurso único e atribulado, este álbum funciona não só em termos biográficos, mas também como documento sociológico de uma época não tão distante no tempo, mas que aos olhos de hoje parece longínqua. Dessa forma, para além das vicissitudes próprias de tempos diferentes, são ainda invocados os artifícios e as acções clandestinas necessárias para contornar a censura e os riscos de prisão ou até de deportação e exílio.

O desenho foi assumido por João Mascarenhas, criador de "O Menino Triste", que com um traço semi-caricatural consegue não só recriar de forma credível os diversos locais por onde Adriano passou, mas principalmente, traçar retratos facilmente identificáveis dos diversos nomes sonantes nele mostrados, o que é um contributo para uma leitura empática por parte daqueles que viveram esses tempos ou têm ainda na memória os seus protagonistas.

Por outro lado, Mascarenhas, graças ao dinamismo que impõe ao traço e à planificação diversificada, contribui para diluir a informação documental que existe e é partilhada, mas sem que ela afecte o ritmo narrativo, dando assim corpo a um projecto que, mais do que para leitores regulares de BD, aponta àqueles que viveram no tempo da ditadura ou ouviram as músicas de Adriano

As páginas finais, incluem breves apontamentos biográficos dos principais intervenientes e uma evocação mais longa de Adriano, que servem como complemento à banda desenhada.


Nota final

Qualquer projecto - este também - é feito de escolhas e decisões. São os autores e editores que têm de as assumir, mas os leitores - ou neste momento específico, o 'analista' - têm direito a não concordar.

Concretizando: penso que o livro estaria melhor servido se a opção tivesse sido pela capa reproduzida aqui ao lado - que serviu para publicitar o projecto - em lugar da que o álbum ostenta.

As minhas razões? Para além de um colorido menos soturno, mantendo o foco em Coimbra e nos grupos de fados, a opção rejeitada conferia maior destaque ao protagonista.


O Perigoso Pacifista
(inclui CD com 7 temas de Adriano)
Paulo Vaz de Carvalho (argumento)
João Mascarenhas (desenho)
A Seita
Portugal, Maio de 2022
215 x 285 mm, 56 p., cor, capa dura
17,50 €

(versão retocada do texto publicado no Jornal de Notícias online de 13 de Maio de 2022 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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