26/07/2022

A Bomba #1 e #2

Crónica de milhares de mortes anunciadas

A 6 de Agosto de 1945, a primeira bomba atómica era lançada sobre a cidade japonesa de Hiroxima, provocando milhares de mortos - no imediato e a curto, médio e longo prazo - e pondo um fim oficial à Segunda Guerra Mundial.
A Bomba, banda desenhada em dois volumes (na edição portuguesa da Gradiva) ao longo das suas mais de 450 páginas narra os passos que conduziram àquele momento.

Se por este resumo alguns podem antever uma narrativa pesada e aborrecida, balizada pela informação técnica e pelos factos históricos, não podiam estar mais enganados. Sem colocar em causa a veracidade, apesar de alguns desvios ficcionais em nome da legibilidade, nem a justeza dos dados fornecidos, A Bomba lê-se como um verdadeiro romance desenhado. Se não de forma apaixonante, porque conhecemos antecipadamente o seu desfecho, é um relato poderoso e suficientemente estimulante para nos seduzir e prender até ao final.

Nele, as personagens centrais, os cientistas, os militares, os políticos e uns quantos cidadãos anónimos vão sendo introduzidos e vamos acompanhando o seu trabalho, as suas (in)decisões, as dúvidas que vão surgindo, o questionar dos actos, a dificuldade da tomada de certas decisões, o peso que vão perdendo ou ganhando na hierarquia, a sua capacidade de superação, a dificuldade de poderem dizer não.

O argumento de Alcante e Bollée, ganhou vida graficamente com o traço de Dennis Rodier, um traço clássico e realista, próximo do que estava em voga nos anos 1960, competente no desenho da figura humana, rigoroso na reconstituição histórica de lugares, vestuário, adereços e veículos. E que, como extra, aporta à narrativa uma dinâmica assinalável, conseguida por uma planificação diversificada. que tanto pode assumir a divisão mais tradicional em vinhetas sucessivas, como explodir em páginas completas ou duplas páginas que permitem dimensionar a pequenez humana face ao gigantismo de locais ou veículos - ou de situações concretas.

É verdade que diversos momentos aqui contidos, já tinham sido muitas vezes apresentados em bandas desenhadas, geralmente louvando o heroísmo de pilotos e militares - e eu recordei algumas delas durante a leitura. No entanto, a visão heróica que nelas predominava, em A Bomba foi substituída pela visão histórica e pelo peso do tom humano que releva um dos acontecimentos mais trágicos da História da Humanidade.

A fechar mais dois apontamentos: o primeiro, para destacar a concessão de protagonismo a uma família anónima japonesa, para vincar o lado trágico do acontecimento: o segundo, o achado da escolha da energia atómica como narrador em voz off, o que confere ao conjunto um dúbio tom de inevitabilidade.



Edição polémica?

Não defendo o editar a qualquer custo ou de qualquer forma, mas também não sou intransigente relativamente à forma como se edita.

Preferia A Bomba num único volume de capa dura e papel mais encorpado? Com certeza.

Dividido em dois, ficaria melhor se a capa cartão tivesse badanas? Sem dúvida.

A opção da Gradiva, baseada no valor menor que despende o leitor que compre um livro de cada vez é defensável? Não duvido - e o editor é que deve conhecer o mercado e os seus potenciais leitores.

Posto isto, o mais importante é termos a obra em português, de forma digna e acessível.

...o que não impede que cada leitor possa - e deva - optar pela edição que mais o satisfaz.


A Bomba I - No princípio era o nada

A Bomba II - A sombra

Alcante e Laurent-Frédéric Bollée (argumento)

Denis Rodier (desenho)

Gradiva

Portugal, Junho de 2022

210 x 285 mm, 216 + 264 p., pb, capa mole

18,00€ (cada)


(versão aumentada e revista do texto publicado no Jornal de Notícias online de 15 de Julho de 2022 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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