Marcas a longo prazo
Diz-se que os homens não se medem aos palmos e,
numa adaptação livre, pode dizer-se que os livros não se medem
pelo número de páginas.
Curto nas suas quarenta e poucas pranchas, A
Cicatriz, obra dos italianos Renato
Chiocca e Andrea Ferraris, que acaba de ter edição nacional pela
Escorpião Azul, mergulha-nos numa situação incómoda,
geograficamente afastada, mas que a televisão e o cinema tornaram de
alguma forma próxima.
A sua base é o drama eminente que se vive a cada instante “na fronteira entre o México e o Estados Unidos”, como se lê no subtítulo do livro. Recorrentemente mostrado em séries e filmes, o muro que separa aqueles dois países mais do que um obstáculo, parece constituir um desafio para os muitos que continuam a acreditar na miragem do sonho americano.
Por isso, também por isso e pela violência inata ao ser humano, Nogales, Juarez, Tucson, entraram no nosso vocabulário comum, como sinónimos de tragédias e mortes, entre aqueles que, a solo, em grupo ou pagando a intermediários, tentam dar o salto.
É essa realidade incontornável dos nosso dias que Chiocca e Ferraris nos mostram a dois tempos. Primeiro, em Uma noite na fronteira, narram numa banda desenhada quase documental, como a situação tensa que se vive entre os moradores e as autoridades de um e outro lado do muro, pode por um acaso do pérfido destino acabar, mais uma vez, numa tragédia chocante - que é como quem diz na morte de uma vítima inocente. Retrato pungente de um caso real, obriga a questionar como é possível que esta situação se eternize.
Já na sua segunda parte, Um dia na fronteira, o livro adopta o modelo de reportagem desenhada, com os autores a mostrarem o trabalho dos grupos de voluntários que actuam ao longo da fronteira do lado norte-americano.
A edição que, pelo pequeno formato pode passar despercebida, inclui ainda, a abrir, uma entrevista em que os autores desvendam os pressupostos de que partiram.
O conjunto, espelha de forma eficaz as potencialidades da banda desenhada para lá da ficção, aqui em registo de documentário e entrevista, dando rostos e vida - ou mostrando a morte… - dos que de um lado e outro do muro continuam a arriscar-se.
A
Cicatriz
Renato
Chiocca
(argumento)
Andrea
Ferraris (desenho)
Escorpião
Azul
Portugal,
Julho de 2022
170 x
240 mm, 48
p., pb,
capa cartão com badanas
12,00€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Agosto de 2022; imagens disponibilizadas pela Escorpião Azul; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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