25/11/2022

Blake e Mortimer: Oito horas em Berlim/Huit heures à Berlin

Nada frio...

Ultrapassado há muito o número de histórias criadas por Edgar P. Jacobs, por aqueles que lhe têm sucedido, para novos leitores as origens da fleumática dupla britânica foi já diluída pela quantidade de títulos posteriores.
Para leitores como eu, que descobriram e vibraram com A Marca Amarela ou O Mistério da Grande Pirâmide (estes dois em especial) na tal altura certa que tenho recorrentemente citado, torna-se difícil pôr de lado as fortíssimas marcas do original e encarar cada novo título por si só - tanto quanto isto é possível numa série - e como elemento de uma cadeia mais vasta do que a formada pelos soberbos volumes originais.
Tendo abordado desta forma Oito horas em Berlim, sou forçado a reconhecer que a leitura foi mais fácil - e mais estimulante - do que na maioria dos outros álbuns pós-Jacobs.

O mérito pertence, quase por inteiro, à dupla de argumentistas - José-Louis Bocquet e Jean-Luc Fromental - que, sem esquecer a especificidade e as bases da obra de Jacobs - a amizade entre o professor Mortimer e o capitão Blake, as capacidades e o potencial de cada um deles, a rivalidade recorrente com Olrik… - conseguiram inovar no contexto da série. Nomeadamente por assumirem um relato fundamentalmente de espionagem - sem esquecer a componente de antecipação científica - que decorre no ano de 1963, de forma mais específica - embora não absoluta - no período de oito horas referido no título da obra, que corresponde a um importante acontecimento histórico que deixo aos leitores descobrir.

Acontecimento histórico que acaba por se revelar outra das originalidades deste livro, pois leva ao cruzamento de Blake e Mortimer, heróis de ficção pura, com personagens reais, num contexto real, de forma absolutamente credível e concreta no contexto da série.

Decorrendo em plena Guerra Fria, Oito Horas em Berlim começa por levar Mortimer até à União Soviética, chamado por uma antiga colega que durante uma escavação arqueológica descobriu uma vala comum com cadáveres a quem foi retirada a pele do rosto. Em paralelo, Blake vê-se a braços com a morte de um agente ocidental que actuava na antiga RDA.

Cada um por seu lado, Mortimer e Blake acabarão por convergir para uma Berlim dividida a meio pelo muro que separou comunistas e ocidentais e que se revela uma autêntica pedra no sapato não só entre as duas facções políticas, mas também entre aqueles que, do lado ocidental (da liberdade), zelam pela segurança.

Numa história movimentada, em que as investigações ao cérebro humano preparam aquela que seria uma das maiores mistificações da história da humanidade, apesar do bom trabalho de Bouquet e Fromental, fica (mais uma vez) no ar a questão se estas Aventuras de Blake e Mortimer, segunda as personagens de Edgar P. Jacobs não ganhariam se fossem modernizadas em termos narrativos - quanto mais não fosse como os Spirou e Lucky Luke de autor - sem a constante emulação dos tiques narrativos do criador original, nomeadamente o excesso dos textos de apoio que tantas vezes duplicam a acção desenhada.

Graficamente, se ao nível dos rostos se encontram alguns esgares forçados e se há vinhetas em que os figurantes, especialmente os rostos, parecem ter sido esticados, o conjunto funciona bem, e existe um cuidado evidente da parte de Antoine Aubin no tratamento da figura humana, particularmente dos dois protagonistas, na pormenorização dos detalhes e na composição das vinhetas e das páginas, no que é uma assumpção próxima mas personalizada do estilo de Jacobs, que é aqui homenageado. E tem ainda tempo para alguns toques de realismo cru, invulgares na série e uma homenagem a Hergé.


Nota 1: A leitura deste álbum foi feita na versão original francesa, das edições Blake e Mortimer, igualmente colocada à venda hoje.

Nota 2: Como habitualmente, a edição da ASA apresenta duas capas diferentes, uma cas quais (a do centro, em cima) exclusiva das livrarias FNAC.


Blake e Mortimer #29 Oito horas em Berlim *
Blake e Mortimer #29 Huit heures à Berlin **
José-Louis Bocquet e Jean-Luc Fromental (argumento)
Antoine Aubin (desenho)
* ASA, Portugal
** Éditions Blake et Mortimer, França
25 de Novembro de 2022
* 215 x 311 mm, 64 p., cor, capa dura, 15,90 €
** 237 x 310 mm, 64 p., cor, capa dura, 16,50€

(imagens disponibilizadas pelas Edições ASA e pelas Éditions Blake et Mortimer; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Brilhante história, com tudo o que há de melhor!
    Sou grande apaixonado por estas personagens e suas aventuras, desde que há 53 anos, tinha apenas 9 anos, li 'O Caso do Colar' e descobri uma outra faceta, não das histórias aos quadradinhos como se chamava na altura, mas de banda desenhada.
    Desde então, e tendo recuperado todas as anteriores histórias, é sempre com elevada expectativa que aguardo um novo livro, que vem sempre ao encontro do aguardado, como prova mais esta fantástica história!
    Venha o número 30!

    ResponderEliminar