07/02/2023

Nautilus #1 - O teatro de sombras

O regresso do Capitão Nemo


Um primeiro passo para conquistar o leitor, é dar-lhe como ponto de partida algo que ele já conheça, no caso Nautilus, o célebre submarino do Capitão Nemo, o vilão visionário e antecipador científico que Jules Verne criou em 20000 léguas submarinas e fez regressar em A ilha misteriosa.
E, se a banda desenhada tem sido tantas vezes utilizada para tentar conquistar leitores para o romance, esta é uma outra via que de certa forma poderá ser até mais eficaz e sedutora.

De caminho para Nemo, os autores deste livro co-editado entre nós pela Arte de Autor e A Seita, aproveitam outro facto conhecido e histórico: o confronto latente entre a Grã-Bretanha e a Rússia nos últimos estertores do século XIX, pelo controlo de territórios indianos.

À frente do relato, como protagonista, surge Kimball O'Hara, o Kim imaginado por Rudyard Kipling no romance homónimo, um irlandês com sangue indiano e mentores tibetano e britânico, agora adulto e agente dos ingleses. Tão fascinante pela sua origem dupla e díspar quanto pela forma decidida e independente como actua, Kim vê-se apanhado numa armadilha que fez dele traidor e rastilho para o conflito, sendo a solução recuperar uns documentos num navio afundado a grande profundidade. A única forma de o conseguir é recorrendo ao desaparecido capitão Nemo, prisioneiro numa prisão na Sibéria, e ao seu mítico submarino Nautilus.

Com este pressuposto, o argumentista Mathieu Mariolle e o desenhador Guénaël Grabowski levam-nos numa grande aventura, com ritmo alucinante, personagens fortes, complexas e convincentes, situações impossíveis e perseguições de cortar a respiração, em cenários exóticos, imponentes ou deslumbrantes, fiquem eles no topo de montanhas geladas ou no mais profundo dos mares, com Kim a tentar impedir mais uma guerra fratricida entre os impérios dos czares e britânico e conseguir provar aos que o perseguem e aos que o conhecem, a sua inocência.

De forma objectiva, há que reconhecer, existem no relato alguns saltos temporais correspondentes a acções ou acontecimento não mostrados que, se por um lado indiciam algum facilitismo na condução no relato, por outro é evidente que a descrição de todos os momentos, nomeadamente na forma como Kim chega a prisão e depois à ilha, seriam impensáveis num relato que segue os códices tradicionais da banda desenhada franco-belga no que à sua extensão diz respeito.

O traço realista de Grabowski e a forma como ocupa muitas das páginas até às margens, atropelando o habitual contorno branco, contribui para a espectacularidade deste volume inicial de Nautilus e para deixar os leitores portugueses sedentos da continuação - para mais devido ao final abrupto - deste tríptico ainda em publicação em França, que tem a grandiosidade das obras de Verne e a aventura e o suspense que admiramos nos grandes romances de espionagem.


Nautilus #1 - O teatro de sombras
Mathieu Mariolle (argumento)
Guénaël Grabowski (desenho)
Arte de Autor/A Seita
Portugal, Dezembro de 2022
230 x 320 mm, 68 p., cor, capa dura
19,95€

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online a 27 de Janeiro de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor e A Seita; clicar nesta ligação para ver mais ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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