Black Crow #2 e #3

Em busca do tesouro

Com um certo afastamento para me dar tempo para acomodar o primeiro livro de Black Crow no meu ‘registo de catalogação e classificação internos’, no final da leitura destes dois volumes que funcionam como um díptico (quase) independente de leitura autónoma, senti-me mais entusiasmado do que, sinceramente, estava a prever.

Se há dois termos inseparáveis no registo em que se insere Black Crow, eles são ‘piratas’ e tesouros’. Aqueles não existem sem estes: estes dão razão de ser àqueles e sem eles permanecem no esquecimento.

Por isso, inevitavelmente, O Tesouro Maldito/A Árvore dos Holandeses arrasta-nos - a nós e, literalmente, ao protagonista - em busca de mais um lugar mítico e das suas riquezas incomensuráveis, no caso no interior de uma África selvagem e inexplorada.

Forçado - por via da chantagem - a seguir o seu contratador, sem nunca chegar a assumir o controlo das situações, o protagonista acabará em África e descobrirá um imenso tesouro - melhor será dizer passará tangencialmente por ele - numa história em que Jean-Yves Delitte, revelando-se melhor argumentista do que até agora tinha dado provas nas suas obras editadas em português que me serviam de medida aferidora, reforça com violência, traição e mortes, muitas mortes, sem piedade, lealdade ou verdade, para nos mostrar o quão vã pode ser a existência humana e as suas demandas. Ao mesmo tempo, continua a aproximar-nos de Samuel Prescott, o verdadeiro nome de Black Crow, com recorrentes mergulhos no seu passado que nos revelam os motivos que o transformaram em quem é no presente.

A par desta solidez da escrita, Delitte brilha mais uma vez graficamente - conseguindo até presentear o leitor com rostos diversificados e reconhecíveis - aliando às belíssimas cenas marítimas, uma credível representação das estepes africanas. E, para além disso, o recurso com alguma frequência à utilização de páginas contíguas para possibilitar vinhetas horizontais de comprimento duplo, permite uma teatralização das cenas e um redimensionamento dos grandes espaços livres em que boa parte da acção se desenrola, que conferem ao todo um tom mais épico e vibrante, no contraste entre a pequenez humana e a imensidão dos grandes espaços selvagens.

Black Crow
#2 O Tesouro Maldito
#3 A Árvore dos Holandeses
Jean-Yves Delitte
ASA
Portugal, 26 de Abril/3 de Maio de 2023
245 x 325 mm, 48 p. (cada), cor, capa dura
10,90€ (cada)

(imagens disponibilizada pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)