19/09/2023

Frankenstein

O
monstro que os nossos olhos vêem


Mesmo podendo nunca ter lido o romance original de Mary Shelley, todos nós já lemos ou visualizámos adaptações e versões do seu Frankenstein original, nos mais diversos suportes, podendo acontecer que a certa altura, perante as múltiplas versões, já não consigamos descortinar o que fazia parte do relato base e o que as sucessivas adaptações foram acrescentando, a mais paradoxal de todas, associarmos o título ao monstro quando o monstro não é ele.

Pelo menos o monstro que o texto revela como selvagem e aterrorizador aos nossos olhos, porque monstros - como alguma actualidade recente voltou a demonstrar… - há muitos sob a capa do bom aspecto e do ser bem falante.

Se esta versão aos quadradinhos tem o mérito de recriar de forma sublime toda a narrativa original, mostrando o seu momento fulcral, a transformação de pedaços de diversos cadáveres num ser com vida, apenas como mais um elo numa longa cadeia de acontecimentos, consegue-o assente apenas na fabulosa arte a preto e branco do francês Georges Bess que, através dela, torna mais lúgubre, mais macabra, mais sombria, mais aterrorizadora, a narrativa, dando um novo sentido e vigor à profanação das sepulturas, ao roubo de corpos em cemitério e forcas, ao seu retalhar, dissecar e coser, na busca - tresloucada e monstruosa ou apenas científica? - da centelha primária da vida. Com este preto e branco rico de contrastes em que tanto pode primar o branco alvo quanto o negrume absoluto, o simples mencionar destes factos parece fazê-los ganhar uma nova aura trágica e assustadora.

Mas, o preto e branco que tão bem retrata o horror puro, serve igualmente para nos mostrar as maravilhas da natureza durante a deambulação do monstro pelas florestas, com aves, mamíferos, plantas ou feras, rios, montanhas ou vales, retratados com um realismo e uma intensidade tais, que parecem quase reais, não nos surpreendendo se de súbito ganhassem vida e movimento.

E é ainda o seu traço belo, incisivo e de uma força surpreendente que serve igualmente e tão bem para partilhar emoções e sentimentos: medo, raiva, frustração, solidão, ódio, vingança, num caleidoscópio que espelha apenas e tão só o desespero de alguém condenado a uma existência amaldiçoada, constituída por uma acumulação da angústias sofrimentos e tormentos. Porque, será curial relembrar que Frankenstein é a história de um ser perseguido pelas diferenças e pela incompreensão.

São cerca de 200 páginas da banda desenhada que permitem a Bess uma grande fidelidade ao original, mantendo o espírito, a estrutura e todos os momentos marcantes do romance de Shelley, mas tornando-o autónomo no novo suporte narrativo.


Frankenstein
Georges Bess, segundo Mary Shelley
A Seita
Portugal, Junho de 2023
215 x 285 mm, 208 p., pb, capa dura
26,00€

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 9 de Setembro de 2023; imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

1 comentário:

  1. São cerca de 200 páginas da banda desenhada imperdíveis...

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