28/11/2023

O preço da desonra

O preço da honra e o valor da vida


Se é verdade que o manga é um dos géneros de que mais livros são editados mensalmente em Portugal, no que à banda desenhada diz respeito, também é indiscutível que eles representam apenas um pico mínimo do gigantesco icebergue do que é a produção japonesa.
Entre os estereótipos que associamos ao género, as narrativas de ninjas e samurais têm sido muito pouco exploradas no nosso país, sendo Kenshin, o samurai errante o exemplo mais significativo.
O preço da desonra, uma edição da chancela Ikigai, do coletivo editorial A Seita é uma (boa) exceção recente. E é, simultaneamente, uma forma de dar a conhecer aos leitores portugueses um dos expoentes do género, o autor Hiroshi Hirata (1937-2021).

Curiosamente, se esta temática potencia obras de aventura e acção a rodos, a verdade é que esta abordagem de Hirata vai muito mais no sentido da exploração de outra vertente das batalhas: o receio da morte no campo de batalha, a incapacidade de fazer face às situações limite que os combates propiciam, o facilitismo de virar costas em lugar de se deixar matar pelo oponente.

Reacções bem humanas, dirão alguns, com razão, mas que no contexto histórico em que se desenrola a acção e tendo em conta o código de honra do bushido pelo qual se regiam os guerreiros, eram de todo reprováveis e condenáveis. E aqueles que as assumiam, em troca de um valor monetário chorudo, que se obrigavam a pagar mais tarde ao oportunista que os poupava, apesar da salvação momentânea, mantinham a sua vida em risco e, mais do que isso, colocavam em causa a sua honra.

O protagonista deste volumoso O preço da desonra, é um cobrador de dívidas, alguém que meses ou anos mais tarde vem resgatar as promissórias assinadas nos campos de batalha. O problema é que, geralmente, por falta de meios, receio do opróbrio ou face à vida de mentiras levada, essa cobrança, feita ao próprio ou aos seus familiares, se revela complicada.

E se, em determinados momentos, a acção, consubstanciada em confrontos plenos de dinamismo e movimento, acentuado pela mestria no uso de linhas cinéticas de movimento, é a única forma de cumprir o objectivo, a verdade é que Hirata, através do seu traço realista num preto e branco expressivo, privilegia as emoções e os sentimentos e aborda as implicações sociais e familiares numa época em que estas tinham uma importância fundamental, aprofundando assim o lado humano deste relato de contornos históricos, em que destaca o desespero daqueles que um dia, face à morte, escolheram o elevado preço da vida.


O preço da desonra
Hiroshi Hirata
A Seita
Portugal, Outubro de 2023
155 x 226 mm, 396 p., pb, capa cartão com badanas
22,99 €

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online de 16 de Novembro de 2023 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

1 comentário:

  1. Muito interessante, não sou grande apreciador da maior parte do Manga mas gosto de Ryoichi Ikegami, especialmente dos seus trabalhos em Lone Wolf & Cub, Crying Freeman (para quando numa versão PT?) e Sanctuary, o traço de Hirata é bastante semelhante ao de Ikegami.
    Este vou comprar.

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